Edineia, Eliza, Mayara, Maria e Marta. Estas são só algumas das mais de 500 mulheres assassinadas em Santa Catarina entre 2015 e 2024. Algumas foram mortas com facadas no meio de uma discussão. Outras com tiros no momento em que chegavam do trabalho. A maioria por motivos banais: ciúmes, separação ou dinheiro. No entanto, todas têm em comum um termo presente no boletim de ocorrência que, há dez anos, era desconhecido ao público
No dicionário, a palavra se refere ao:
“ASSASSINATO PROPOSITAL DE MULHERES SOMENTE POR SEREM MULHERES”
Na Lei 13.104, sancionada em março de 2015, ela diz que é a morte que ocorre quando a motivação envolve violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Uma década depois desta que é considerada uma das principais ferramentas para o combate da violência contra a mulher — junto a Lei Maria da Penha —, pouco se tem avançado para conter os números.
Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça, levantados pela Folha de S. Paulo, apontam que 11.859 mulheres foram vítimas de feminicídio em todo o Brasil nos últimos 10 anos — no ano passado, foram 1.459 vítimas, o maior número da série histórica. Em Santa Catarina, por exemplo, foram 51 crimes registrados em 37 municípios catarinenses, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP/SC) em 2024.
afirma Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)
Mas, o número esconde uma realidade que é ainda mais assustadora: a mudança na vida dos familiares que precisam lidar com as cicatrizes após perderem filhas, irmãs e mães. É o caso de Camilo Telles que, sete meses depois, tenta buscar no passado uma explicação do que faltou para proteger a filha, Edineia Telles, de 34 anos, morta pelo ex-marido. Ou de Daiane Eliza Machado, que viu a mãe ser assassinada na sua frente pelo padrasto em 2003 — ano em que a Lei do Feminicídio ainda era algo distante.
Os dois casos também contrastam com as estatísticas. Isto porque dados da pesquisa “Vísivel e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil” do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontam que 91,8% das agressões sofridas por mulheres foram presenciadas por terceiros, sendo a maioria amigos, filhos ou conhecidos. No entanto, 47,4% das vítimas não pediram ajuda — só entre 2024 e 2025, 21,4 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência ou agressão.
Além disso, no meio da dor, as famílias precisam passar pelo processo de investigação que muitas vezes acaba sem um final digno, seja por suicídio dos autores ou pela demora no julgamento. Dados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), por exemplo, apontam que, em janeiro deste ano, apenas 10 homens condenados por feminicídio seguiam presos.
Enquanto isso, a lei tenta se reinventar. No ano passado, por exemplo, foi sancionado o “pacote antifemícidio”, que alterou a tipificação do crime de feminicídio, o tornando autônomo no Código Penal, além de aumentar a pena máxima para 40 anos. Além disso, outra lei obriga que as Delegacias da Mulher de todo o Brasil passem a atuar 24 horas por dia — realidade distante em Santa Catarina, que ainda não adotou a medida por falta de efetivo.
No entanto, em meio às histórias trágicas, também surgem aquelas que buscam ajudar vítimas de violência a construir uma vida digna, como é o caso das coordenadoras das casas de acolhimento espalhadas pelo Estado — muitas delas, sobreviventes do feminicídio.
São 10 anos com avanços, mas a passos lentos. Um crime que, segundo especialistas, sem educação e mudança de comportamentos que ainda estão enraizados na nossa sociedade, pode seguir fazendo vítimas quase semanalmente em Santa Catarina.
Separado em quatro partes, o especial Cicatrizes busca contar a história das vítimas e mostrar o que ainda falta para que as mulheres possam finalmente viver com dignidade, sem precisar ter medo de serem mortas a qualquer instante simplesmente pelo fato de serem mulheres.
Em 10 anos, mais de 500 mulheres foram mortas em SC, vítimas do ódio e do sentimento de posse perpetrado, na maioria das vezes, por companheiros e ex-companheiros
Histórias escancaram a mudança na vida dos familiares que precisam lidar com as cicatrizes após perderem filhas, irmãs e mães
Sancionada em 2025, Lei do feminicídio completa 10 anos com avanços, mas não é o suficiente para interromper o assassinato de mulheres
Enquanto mulheres transformam cicatrizes em força para ajudar outras vítimas, Estado ainda tem desafios para garantir a proteção e diminuir índices
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