reportagem e pesquisa
Era manhã de domingo, 24 de outubro de 1909. A data marca um dos episódios mais emblemáticos ocorridos em território catarinense. Uma espécie de “esquenta” para a Guerra do Contestado, que marcou Santa Catarina entre 1912 e 1916. Conta a história que cheio de audácia um tal de Zeca Vaccariano, gaúcho envolvido em escaramuças da Revolução Federalista, planejou e comandou o assalto ao trem pagador, levando a maior quantidade em dinheiro até então roubada de um comboio na América Latina. Isso muito antes de 1963, quando o britânico Ronald Biggs apavorou a Escócia para roubar
2,6 milhões de libras, e tornar-se o “ladrão do século”.
No final do século 19, a necessidade de uma integração ferroviária entre as três províncias do Sul estava associada a pelo menos quatro fatores: econômico, militar, territorial e demográfico. Na época, Paraná e Santa Catarina destacavam-se na produção de erva-mate e de madeira. Mas os produtos eram explorados de forma artesanal e necessitavam de estrutura de transporte para serem escoadas aos portos. Além disso, a venda da terra pelas companhias colonizadoras aos imigrantes era outra fonte de valorização do capital.
A fundação de colônias no Brasil Meridional agilizava a concessão de terras às companhias colonizadoras e gerava mão de obra para as novas atividades econômicas, impactando a demografia. No aspecto militar, a construção de uma ferrovia daria mais agilidade e segurança para o Brasil, que já havia sofrido ameaças do Paraguai. No aspecto da territorialidade também, pois o conflito com a Argentina em torno da Questão de Palmas, em 1895, obrigara o Brasil a demarcar melhor as fronteiras para definir o território.
Em 1887, o engenheiro João Teixeira Soares projetou o traçado da estrada de ferro com 1.403 quilômetros de extensão, entre Itararé (SP) e Santa Maria (RS), para ligar as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelo interior, possibilitando a ligação da então capital federal, Rio de Janeiro, às regiões fronteiriças do Brasil com a Argentina e o Uruguai. Em Santa Catarina, a ferrovia atravessaria o Meio-Oeste, na parte mais estreita, entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), marginando o Rio do Peixe em três quartos da extensão, assim cortando o território conhecido como “Contestado”, na época objeto da Questão de Limites Paraná-Santa Catarina.
Em 1887, o engenheiro João Teixeira Soares projetou o traçado da estrada de ferro com 1.403 quilômetros de extensão, entre Itararé (SP) e Santa Maria (RS), para ligar as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelo interior, possibilitando a ligação da então capital federal, Rio de Janeiro, às regiões fronteiriças do Brasil com a Argentina e o Uruguai. Em Santa Catarina, a ferrovia atravessaria o Meio-Oeste, na parte mais estreita, entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), marginando o Rio do Peixe em três quartos da extensão, assim cortando o território conhecido como “Contestado”, na época objeto da Questão de Limites Paraná-Santa Catarina.
Em 9 de novembro de 1889, o imperador D. Pedro II fez a concessão da estrada de ferro ao engenheiro João Teixeira Soares. Para levantar o capital necessário à construção junto a investidores europeus, em 1890, Teixeira criou a Compagnie Chemins de Fer Sud Ouest Brésiliens. A partir dali foi uma sucessão de concessões. Somente em 1895 foram aprovados os estudos definitivos e completos da ferrovia entregue à Cia. São Paulo-Rio Grande (EFSPRG), num total de 941,88 quilômetros de extensão, entre Itararé (SP) e o Rio Uruguai.
A construção começou no sentido Norte-Sul em 1897, e o trecho de 264 quilômetros entre Itararé e o Rio Iguaçu (em Porto União), foi concluído em 1905. Dois anos depois teve início a construção dos primeiros 50 quilômetros, do trecho no Território Contestado, de Porto União em direção ao Sul, suspensa em 1908. Pela demora, neste ano, a Cia. São Paulo-Rio Grande recebeu ultimato do governo federal para concluir toda a extensão até o Rio Uruguai, em dois anos, sob pena de perda da concessão.
Entre idas e vindas, em 1908, Percival Farquhar entra na obra. Ele era um empresário estadunidense responsável pela construção de ferrovias e de siderúrgicas, e assume a concessão integrando a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande à holding Brazil Railway Company. Esta empresa havia criado a Southern Brazil Lumber & Colonization Company em Três Barras, para a exploração da madeira da floresta da araucária.
A Railway contratou o engenheiro Achilles Stenghel para a ousada empreitada e este chamou mais 4 mil homens, assim tendo sido recrutado um total de 8 mil trabalhadores em todo o país e, inclusive, no exterior. Eles foram distribuídos pelos 372 quilômetros do traçado. Para facilitar o andamento da obra, o projeto foi fatiado entre diferentes empreiteiros.
Entre idas e vindas, em 1908, Percival Farquhar entra na obra. Ele era um empresário estadunidense responsável pela construção de ferrovias e de siderúrgicas, e assume a concessão integrando a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande à holding Brazil Railway Company. Esta empresa havia criado a Southern Brazil Lumber & Colonization Company em Três Barras, para a exploração da madeira da floresta da araucária.
A Railway contratou o engenheiro Achilles Stenghel para a ousada empreitada e este chamou mais 4 mil homens, assim tendo sido recrutado um total de 8 mil trabalhadores em todo o país e, inclusive, no exterior. Eles foram distribuídos pelos 372 quilômetros do traçado. Para facilitar o andamento da obra, o projeto foi fatiado entre diferentes empreiteiros.
Um destes empreiteiros era José Antônio de Oliveira, conhecido como Zeca Vacariano, um gaúcho envolvido com a Revolução Federalista, e dono de um armazém na localidade que mais tarde seria o município de Pinheiro Preto. A bodega se localizava no Km 152 da estrada EFSPRG (Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande), atual Km 208 do trecho União da Vitória-Rio Uruguai.
No começo tudo parecia andar bem, mas Zeca passou a ser pressionado pelos trabalhadores devido à falta de pagamentos. De nada adiantavam as explicações que não seria culpa dele, mas da concessionária que se via envolvida em desmandos e corrupção. Sabendo da rotina sobre a comitiva de pagamento, Vaccariano arquitetou um crime.
Na manhã de 24 de outubro de 1909, um domingo, o comboio que rumava do escritório de Ponta Grossa (PR), em direção a Herval d’Oeste, às margens do Rio do Peixe, para pagamento de outras empreiteiras da região, foi interceptado.
Devido à construção do único túnel na região, a caravana precisou abandonar o trem movido a vapor no ponto de interrupção da linha, no Km 150. Naquele lugar, então, o dinheiro foi retirado do cofre do vagão e colocado em alforjes no lombo de mulas. Pela manhã, quando saíam dos alojamentos da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) depois de pernoitarem, seguiram em frente.
Ao fazer uma curva longa e atravessar uma ponte de 30 metros sobre o Ribeirão da Cruz avistaram o rancho espaçoso de Vaccariano. Na esquina, havia um balcão da bodega. Seguiam à frente o pagador da empresa, Henrique Baroni, e o engenheiro Ernesto Kaiser. Os seguranças vinham um pouco atrás.
Um destes empreiteiros era José Antônio de Oliveira, conhecido como Zeca Vacariano, um gaúcho envolvido com a Revolução Federalista, e dono de um armazém na localidade que mais tarde seria o município de Pinheiro Preto. A bodega se localizava no Km 152 da estrada EFSPRG (Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande), atual Km 208 do trecho União da Vitória-Rio Uruguai.
No começo tudo parecia andar bem, mas Zeca passou a ser pressionado pelos trabalhadores devido à falta de pagamentos. De nada adiantavam as explicações que não seria culpa dele, mas da concessionária que se via envolvida em desmandos e corrupção. Sabendo da rotina sobre a comitiva de pagamento, Vaccariano arquitetou um crime.
Na manhã de 24 de outubro de 1909, um domingo, o comboio que rumava do escritório de Ponta Grossa (PR), em direção a Herval d’Oeste, às margens do Rio do Peixe, para pagamento de outras empreiteiras da região, foi interceptado.
Devido à construção do único túnel na região, a caravana precisou abandonar o trem movido a vapor no ponto de interrupção da linha, no Km 150. Naquele lugar, então, o dinheiro foi retirado do cofre do vagão e colocado em alforjes no lombo de mulas. Pela manhã, quando saíam dos alojamentos da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) depois de pernoitarem, seguiram em frente.
Ao fazer uma curva longa e atravessar uma ponte de 30 metros sobre o Ribeirão da Cruz avistaram o rancho espaçoso de Vaccariano. Na esquina, havia um balcão da bodega. Seguiam à frente o pagador da empresa, Henrique Baroni, e o engenheiro Ernesto Kaiser. Os seguranças vinham um pouco atrás.
Ao passarem na frente da bodega de Vaccariano, que estava à espreita, foram surpreendidos. Vaccariano pediu que descessem dos cavalos e entrassem para uma conversa. Os dois apearam. Baroni disse que não entraria, mas Kaiser decidiu obedecer.
Baroni, que naquele momento havia sido ultrapassado pelos guardas do cargueiro, continuou o trajeto. Enquanto isso, no interior do rancho, diversos homens dominaram Kaiser e retiraram a arma dele. Não demorou muito para que Baroni ouvisse vários estampidos, então, saltou do animal e se escondeu na mata. Mas era tarde: dois seguranças do cargueiro estavam mortos, os irmãos Menerio e Guilherme Bernardo. O terceiro, Lino Ferreira, gravemente ferido.
Enquanto isso, o engenheiro Kaiser permanecia sob a guarda do bando. Baroni considerou que diante da violência era melhor se entregar. Alguns assaltantes sugeriram matá-lo. Vaccariano, no entanto, disse que dera a palavra dele e não mataria o pagador, e que deixaria levar os papéis, o engenheiro e o segurança ferido. Mas ficaria com o dinheiro. Foi um saque recorde: 375 contos e 300 réis, montante que na época representava cerca de 15% da arrecadação anual do Tesouro do Estado, e considerada a maior quantia já levada em um assalto.
Ao passarem na frente da bodega de Vaccariano, que estava à espreita, foram surpreendidos. Vaccariano pediu que descessem dos cavalos e entrassem para uma conversa. Os dois apearam. Baroni disse que não entraria, mas Kaiser decidiu obedecer.
Baroni, que naquele momento havia sido ultrapassado pelos guardas do cargueiro, continuou o trajeto. Enquanto isso, no interior do rancho, diversos homens dominaram Kaiser e retiraram a arma dele. Não demorou muito para que Baroni ouvisse vários estampidos, então, saltou do animal e se escondeu na mata. Mas era tarde: dois seguranças do cargueiro estavam mortos, os irmãos Menerio e Guilherme Bernardo. O terceiro, Lino Ferreira, gravemente ferido.
Enquanto isso, o engenheiro Kaiser permanecia sob a guarda do bando. Baroni considerou que diante da violência era melhor se entregar. Alguns assaltantes sugeriram matá-lo. Vaccariano, no entanto, disse que dera a palavra dele e não mataria o pagador, e que deixaria levar os papéis, o engenheiro e o segurança ferido. Mas ficaria com o dinheiro. Foi um saque recorde: 375 contos e 300 réis, montante que na época representava cerca de 15% da arrecadação anual do Tesouro do Estado, e considerada a maior quantia já levada em um assalto.
De posse do dinheiro, Zeca e o bando com pelos menos 27 jagunços se embrenharam na espessa mata que cobria a região. Por alguns dias eles foram perseguidos pela Força Policial formada por tropas estaduais e federais. Mas nunca mais foram vistos na região. Na década seguinte, em 10 de janeiro de 1918, um dos acusados de participar do crime foi preso em Herval d’Oeste.
João Mariano foi absolvido unanimemente do crime pelo júri, ocorrido quase dez anos depois do assalto. Em 4 de abril de 1919, o relator da apelação, desembargador Américo da Silva Nunes, ouviu 13 testemunhas e, ao término do rito, sentenciou:
“Acordam dar provimento à apelação interposta para anular, como anulam o julgamento e mandam que o réu apelado (Zeca Vaccariano) seja submetido a novo júri, visto ser manifestamente contrária a prova dos autos a decisão recorrida”.
O dinheiro do roubo seria para pagar os jornaleiros (trabalhadores da ferrovia contratados diariamente para ajudá-lo a empreitar a estrada de ferro no trecho durante o mês). Vaccariano estava em débito e não queria descumprir o negócio porque a companhia não o pagava. Ele lutava para poder fazer repasses aos funcionários. Então, repartiu o dinheiro após o roubo.
Parte do assalto está contada em documentos, como nos arquivos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A história oral também se encarrega de manter o episódio aceso, inspirando livro, filmes, teses. Ainda hoje é possível encontrar gente que duvide ter sido Zeca Vaccariano quem bolou o assalto. Há também quem, pela divisão do dinheiro, o considere uma espécie de Robin Hood, herói fora da lei que roubava a nobreza inglesa para dar aos pobres.
Assim como há quem diga que a família de Zeca Vaccariano, tal qual aconteceu com milhares de sertanejos, foi arrancada à força para exploração da floresta pelo grupo de Farquhar. Uma cruz de ferro em homenagem aos mortos é um dos símbolos desta parte da história e mais de 100 anos depois ainda atrai visitantes para o local.
A Guerra do Contestado (1912-1916) é considerado o maior conflito armado do país. Ocorreu na divisa de Santa Catarina com o Paraná. Mais de um século depois segue despertando o interesse de pesquisadores e historiadores. O episódio do “assalto ao trem pagador” faz parte dessas escaramuças. Disputa de terras, construção de uma estrada de ferro que desalojou milhares de famílias, religiosidade.
O Contestado ganhou este nome porque os dois estados estavam em disputa do território, e teve na figura de monges, como João Maria, a presença do messianismo. Para conter a revolta o governo enviou para a região 90 mil homens do Exército, pesada artilharia e aviões com o objetivo de observar a movimentação dos sertanejos rebelados.
Após diversos conflitos e perseguições que teriam matado 20 mil pessoas, a guerra chega ao fim em outubro de 1916 com a assinatura, no Rio de Janeiro, do Acordo de Limites Paraná-Santa Catarina. A Guerra do Contestado foi um dos primeiros movimentos político-sociais do país e deixou um legado de pobreza e desassistência que persiste até hoje na região do Contestado, com os mais baixos índices de desenvolvimento humano municipal (IDHM) de SC.
O escritor Nilson Thomé (1949-2014) é autor de livro “O Assalto ao Trem Pagador” (Editora Clube de Autores, 2010) e apresenta uma narrativa histórica do que considerou o primeiro assalto a um trem pagador da História do Brasil, no caso, da Brazil Railway Company, pelo empreiteiro Zeca Vaccariano.
Em 2012, mais de 20 artistas locais e regionais participaram do docudrama “O Assalto ao Trem Pagador”. O filme trabalhou as divergências dos contos populares e a oficialização dos fatos. A produção e direção foi do cineasta Ernoy Mattiello e recriou o cenário do primeiro atentado no gênero na América Latina. As filmagens foram feitas nos municípios de Pinheiro Preto e de Piratuba. O filme com 52 minutos foi lançado em 2013.
A audácia de Zeca Vacariano antecedeu outros dois assaltos a trem que ficariam famosos no mundo. Em 1960, seis assaltantes levaram 27 milhões de cruzeiros do carro pagador da Central do Brasil. Mas o título de “ladrão do século” estava destinado ao britânico Ronald Biggs, que causaria pânico na Escócia ao roubar 2,6 milhões de libras, em 1963.
O escritor Nilson Thomé (1949-2014) é autor de livro “O Assalto ao Trem Pagador” (Editora Clube de Autores, 2010) e apresenta uma narrativa histórica do que considerou o primeiro assalto a um trem pagador da História do Brasil, no caso, da Brazil Railway Company, pelo empreiteiro Zeca Vaccariano.
Em 2012, mais de 20 artistas locais e regionais participaram do docudrama “O Assalto ao Trem Pagador”. O filme trabalhou as divergências dos contos populares e a oficialização dos fatos. A produção e direção foi do cineasta Ernoy Mattiello e recriou o cenário do primeiro atentado no gênero na América Latina. As filmagens foram feitas nos municípios de Pinheiro Preto e de Piratuba. O filme com 52 minutos foi lançado em 2013.
A audácia de Zeca Vacariano antecedeu outros dois assaltos a trem que ficariam famosos no mundo. Em 1960, seis assaltantes levaram 27 milhões de cruzeiros do carro pagador da Central do Brasil. Mas o título de “ladrão do século” estava destinado ao britânico Ronald Biggs, que causaria pânico na Escócia ao roubar 2,6 milhões de libras, em 1963.
Ilustração
e projeto gráfico
Edição
Adaptação para web
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