Do outro lado

do balcão

Motivados por sonho, tradição e sobrevivência, donos de botecos em Joinville ajudam a preservar a identidade da maior cidade de SC

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Entre mesas de plástico que já escutaram incontáveis promessas de “saideira” e um balcão de madeira com doces e guloseimas, se mistura o som de conversas sobre os assuntos mais aleatórios e o barulho da televisão. O cardápio plastificado lista o essencial: cerveja gelada e os petiscos clássicos que mantêm a clientela fiel. É nesse ambiente que se encontra a essência acolhedora de um genuíno boteco familiar.

Mais do que só um lugar para tomar uma bebida e petiscar, os botecos representam um patrimônio cultural e social dos bairros. Entre bares, lanchonetes e restaurantes, esses empreendimentos são fundamentais para a economia local e asseguram renda para, pelo menos, 3.072 famílias em Joinville, a cidade mais populosa de SC, com 654.888 habitantes. Os dados são da prefeitura municipal, atualizados em 2025.

Tânia toca o boteco que já foi do pai | Foto: Fernando Oliveira, NSC Total

De pai para filha

Foi em um boteco que Tânia Gonçalves encontrou uma forma de sustentar a família e seguir uma tradição que veio de berço. Nascida, literalmente, dentro de um bar, a mulher de 55 anos comanda a Petisqueira Caxias há 10 anos. Com endereço no bairro América, o boteco tem como carro-chefe frutos do mar. São pratos com peixes, ostras, caranguejos, siris, camarões e outros mariscos, preparados por ela e pelo marido Marcelo Marcelino Gonçalves, que mantêm o negócio de mais de cinco décadas.

— Criada desde pequena no boteco, não tinha como não saber tocar o negócio. Tudo que eu sei na cozinha eu aprendi com os meus pais. Eu vivi a minha infância aqui, desde pequena já atendia no balcão e lavava caranguejo. Minha história de boteco vem do berço — conta Tânia.

A petisqueira teve início com o pai de Tânia, Antônio Silva Duarte. Ele saiu de Tubarão, a quase 300 quilômetros de Joinville, para trabalhar como garçom em São Paulo, assim como cada um dos nove irmãos dele. Na década de 70, inspirados pelo primogênito, todos seguiram novamente seus passos e vieram para Joinville, onde adquiriram dez botecos, cada um administrado por um dos irmãos. Posteriormente, o pai de Tânia comprou o bar Caxias e o transformou em uma petisqueira para vender os frutos do mar. Após a morte do pai, a mulher assumiu a gerência com a experiência familiar que adquiriu ao longo da vida e inspirada pelo amor que ele deixou pelo negócio. 

— O boteco transformou a minha família economicamente. Ainda acho que antigamente era mais fácil para comprar casas e outros bens a partir do próprio negócio. Hoje, é mais difícil, mas dá para viver só disso — explica a dona da petisqueira.

Tânia não sabe se os filhos irão querer seguir no negócio, mas conta que se sente feliz porque o amor pela culinária e o atendimento que passou de pai para filha, agora, passa de avó para neto. O pequeno Vinicius brinca de ajudar a família na petisqueira. Assim como Tânia ajudava na infância, o neto também gosta de estar na cozinha e já manipula os caranguejos, conta a avó sorridente. O ambiente familiar, criado pelo pai, segue acolhendo a família e os clientes.

Tânia toca o boteco que já foi do pai | Foto: Fernando Oliveira, NSC Total

Espetinho começou na calçada e, com o sucesso, acabou conquistando um espaço maior | Foto: Fernando Oliveira, NSC Total

Sem experiência? Sem problemas!

Sem experiência?

Sem problemas!

Há quem pense que é preciso ter experiência para trabalhar com isso. No entanto, a família de José Francisco de Oliveira, de 58 anos, prova o contrário. Há 28 anos em Joinville, vindo de Naviraí (MS), Chico fundou o Espetinho Chiquetoso em 2017, na tentativa de ter o próprio negócio mesmo sem nunca ter trabalhado com comida antes.

A ideia nasceu em conjunto com a esposa Alessandra Pereira de Oliveira, em meio a um momento delicado da vida do casal. Na época, José Francisco, que chegou à cidade para trabalhar na área comercial, ficou desempregado. Foi quando a companheira, inspirada na tradição do estado onde nasceu, sugeriu que o marido começasse a vender espetinhos de carne. Com dinheiro emprestado da própria família, ele começou o pequeno negócio em um carrinho na calçada.

— Nunca passou pela minha cabeça trabalhar com isso. Não tinha capital de giro, só tinha vontade de trabalhar. Trabalhamos com amor, carinho, respeito, dedicação e sinceridade, e as coisas aconteceram — diz José Francisco.

A ideia deu tão certo que, atualmente, ele trabalha em um espaço alugado, no bairro Bom Retiro, com 14 tipos diferentes de espetinhos. O negócio é tocado em família: filhos, nora, genro e avó, todos ajudam de alguma forma no boteco. Mais do que só apoiar o pai, os dois filhos, o mecânico Ricardo, de 25 anos, e a funcionária de uma loja de tecidos, Meliane, de 21 anos, conquistaram os imóveis próprios através da renda ganha com os espetinhos.

— Eles estão na profissão deles, mas de noite estão aqui trabalhando comigo. Foi com esse salário do espetinho que eles conquistaram os bens próprios. Nunca imaginava que estaria nessa idade vendo meus filhos e netos crescerem, e o espetinho proporcionou isso para nós. Não sei se vão seguir nisso, mas aprenderam muito — afirma o empreendedor.

Marcos, que abriu o próprio bar há 13 anos | Foto: Carlos Júnior, NSC Total

Um brinde aos pequenos negócios

Entre garrafas expostas na parede e as mesas espalhadas do lado de fora do Mercado Municipal de Joinville, está o boteco que coloca o alimento na mesa de casa do empresário Marcos Roberto Santiago, de 57 anos. Desde 1995 no ramo da gastronomia, o homem é proprietário do bar Espaço Sabor, localizado no famoso mercadão da cidade. Entretanto, para dar o primeiro passo no negócio que iria proporcionar a transformação econômica da família, foi preciso coragem.

— Fiquei receoso, nunca tinha empreendido mesmo. Desde o primeiro momento que empreendi, percebi uma diferença grande. Exige mais responsabilidade, cuidado com as contas. Porém, a qualidade de vida melhora — revela Roberto, dono do bar há 13 anos.

Quem o vê uniformizado atrás do balcão do boteco não imagina que o ex-garçom já chegou a administrar um restaurante. 

— O restaurante demanda muitas coisas. O bar é mais enxuto, a gente consegue trabalhar sem muitos funcionários e ter um retorno até melhor — disse Marcos.

A experiência, segundo Marcos, o ajudou a começar a trabalhar com o boteco. Mas o apoio da esposa e gerente do boteco, Neide Amaro Santiago, 55 anos, e da filha e sócia Nattali Iojana Santiago, no dia a dia do negócio, é fundamental para continuar funcionando.

E para encontrá-lo, não são necessários nem cinco minutos caminhando pelo Mercado Municipal de Joinville. Localizado próximo a uma peixaria e em frente a uma pequena loja de alimentos, o espaço possui circulação diária de pessoas, entre clientes e apenas visitantes.

Para comer no local, o dono oferece dois tipos de lugares: mesas de madeira ao lado de quadros que exibem propagandas de bebidas famosas ou ao ar livre, na calçada, opção essa que possui maior preferência entre os clientes porque, segundo Marcos, o espaço se transforma em um ponto de encontro.

Marcos, que abriu o próprio bar há 13 anos | Foto: Carlos Júnior, NSC Total

Boteco dá vida a Joinville

Boteco dá vida

a Joinville

Assim como no boteco de Marcos, a utilização das calçadas por bares e lanchonetes é muito comum. Em Joinville, o assunto foi motivo de decreto assinado por parte da prefeitura em 2022, quando o município reduziu o valor da taxa paga pelos estabelecimentos para a colocação de mesas nas calçadas.

De acordo com William Escher, secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da prefeitura de Joinville, a ação foi uma das medidas tomadas como parte de uma estratégia para atrair turismo na cidade.

— Joinville precisa ser sexy para se viver e precisa ter coisas para fazer. Uma pessoa que queira permanecer na cidade também vai buscar lazer. Os bares entram nisso, para aumentar a qualidade de vida em Joinville — disse Escher.

Silvio Dreveck, secretário de Indústria, Comércio e Serviço do Governo de Santa Catarina, explica que estabelecimentos como botecos são importantes para a economia e turismo das cidades.

— Os bares e botecos são fundamentais para apresentar a cultura local por meio da gastronomia e de bebidas, que são uma atração à parte em Santa Catarina dada à nossa grande diversidade cultural. É preciso também destacar esses estabelecimentos enquanto micro e pequenos negócios, já que empresas deste porte são as que mais empregam e geram renda para nossos trabalhadores — comenta Dreveck.

Grupo cria concurso para incentivar botecos

Grupo cria

concurso para

incentivar botecos

Se os botecos são conhecidos pela diversão e alegria, é porque existe um público que os frequenta e faz o lazer acontecer. E foi com o intuito de reconhecer a importância desses grupos e popularizar os lugares que o concurso Comida di Buteco nasceu. Criado há 25 anos em Belo Horizonte (MG), a competição visa resgatar a tradição dos bares familiares através de uma votação para eleger o melhor bar do Brasil.

Durante o concurso, o público e os jurados visitam os estabelecimentos participantes de cada cidade avaliando-os em notas de 1 a 10 em atendimento, temperatura da bebida, higiene e petisco. Os vencedores de cada região avançam na competição até que seja eleito o campeão nacional.

Em 2024, o concurso teve cerca de 10 milhões de votos, com mais de 4 milhões de pessoas visitando os botecos, conforme dados do Comida di Buteco. Em 2025, 1.054 bares de cerca de 50 municípios do país participaram do concurso, entre eles, estiveram os botecos de José Francisco, Marcos e de Tânia, sendo que a Petisqueira Caxias ficou em segundo lugar na etapa municipal.

— O projeto acaba trazendo outros ingredientes além da gastronomia. Começamos a gerar emprego e renda, e os botecos começaram a se desenvolver e melhorar a estrutura. O projeto tem um impacto social gigante por onde ele passa — avalia Filipe Pereira, organizador do Comida di Buteco.

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Em 2024, o concurso teve cerca de

10 milhões

de votos

mais de

4 milhões

de pessoas

visitaram os botecos

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Em 2024, o concurso teve cerca de

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Quero abrir um boteco, e agora?

Quero abrir

um boteco,

e agora?

Daniela Dalfovo, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma que, entre as dificuldades que podem ser enfrentadas por novos empreendedores, estão a falta de planejamento financeiro, desconhecimento do mercado, gestão ineficiente, e dificuldade em atrair e manter clientes.

— Iniciar um negócio exige planejamento, preparo emocional e visão estratégica. Para enfrentá-los, recomenda-se que o empreendedor busque capacitação constante, elabore um bom plano de negócios, utilize ferramentas de gestão desde o início e participe de redes de apoio e mentorias — afirma Dalfovo.

Entre as iniciativas voltadas para empreendedores estão os serviços do Sebrae. A entidade oferece cursos online e presenciais, oficinas, consultorias especializadas em áreas de gestão, workshops, programas de aceleração de negócios e acesso a mercado. Para ter acesso aos programas de incentivo, é possível ir até uma unidade física do Sebrae, acessar o site da entidade ou através do telefone 0800 570 0800.

Em Joinville, também há o Espaço do Empreendedor, um local criado para ser ponto de referência para o microempreendedor individual que busca informações, orientação e suporte para o seu negócio. O projeto é uma parceria da prefeitura com o Sebrae.

A unidade de atendimento exclusiva, que funciona no bairro Santo Antônio, oferece consultoria para quem quer abrir um negócio. De acordo com a prefeitura, os serviços mais buscados são a orientação e auxílio na formalização do Microempreendedor Individual (MEI), suporte na emissão de notas fiscais de serviço e informações sobre o processo de legalização de empresas junto ao município.

Inaugurado em 2021, o espaço superou a marca de 10 mil atendimentos realizados, desde o início das atividades. O atendimento presencial pode ser por ordem de chegada ou agendado previamente. Para quem não deseja se deslocar à unidade, existe a opção do atendimento remoto pelo número (47) 98824-8265.

Em quais políticas públicas posso me apoiar para ser empreendedor?

No Brasil, a Lei Complementar 123/2006 criou o Simples Nacional, um regime tributário simplificado que facilita a formalização e reduz a carga tributária para micro e pequenas empresas. 

— A formalização do Microempreendedor Individual também é uma política de grande impacto, pois permite a abertura de um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de forma rápida e gratuita, com acesso a benefícios previdenciários — analisa Dalfovo.

Além disso, a analista destaca a Lei de Compras Públicas, que garante tratamento favorecido às micro e pequenas empresas nas licitações públicas. 

Essa legislação estimula o desenvolvimento local ao permitir, por exemplo, que os pequenos negócios tenham exclusividade em determinadas faixas de contratação ou prioridade em caso de empate — explica.

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Expediente

Repórteres: Fernanda Silva, Vinicius Tóffoli
Fotógrafos, especial para NSC Total: Carlos Júnior e Fernando Oliveira
Editor: Leandro Ferreira
Design e desenvolvimento web: Ciliane Pereira
Edição de vídeo, especial para NSC Total: Carlos Júnior
Publicado em 6/6/2025