"OU EU COMPRO GÁS OU COMIDA"

 

Preço do botijão de 13 quilos deixa famílias de baixa renda de mãos atadas em Santa Catarina


Reportagem

Diane Bikel

 

Fotos

Tiago Ghizoni / Arquivo pessoal


Edição

Raphaela Suzin

 

Coordenação

Everton Siemann e Raquel Vieira

 

O aumento constante no preço do botijão de gás nos últimos meses tem colocado famílias de baixa renda em dificuldades para sobreviver. O valor mais alto do produto registrado em revendedoras de Santa Catarina em março deste ano chegou a R$ 155, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), preço que compromete quase 13% do salário mínimo atual – R$ 1.212.

Para famílias que recebem menos de um salário mínimo, essa porcentagem aumenta e para dar conta das despesas básicas mensais da casa é preciso utilizar estratégias que façam com que o botijão de gás dure mais do que apenas um mês. É o caso de Ana Regina, que precisou reduzir o número de vezes que cozinhava por dia para que o produto durasse mais.

Ou tu compra comida ou tem gás, ou tem gás e não tem comida.

Ana é moradora do Morro das Pedras, em Florianópolis, e paga cerca de R$ 135 no botijão, valor que ocupa 16% do seu salário, já que a aposentada recebe cerca de R$ 800 por mês.

Eu faço comida uma vez por dia pra não usar [o fogão] mais de uma vez. E para esquentar o que sobra, é microondas. Tem coisas que, por exemplo, canjica, leva tempo para cozinhar e todo ano eu fazia, e agora não faço mais. Não ligo mais o fogo pra fazer bolo também. Tá difícil. São coisas que demoram muito para fazer e não dá para gastar o gás.

Desde o início de 2022, o preço médio do botijão de gás em Santa Catarina cresceu 7%. Em janeiro, a ANP registrou R$ 110,54 a média no Estado. Já em março esse número subiu para R$ 118,39.
 
Atualmente, com a economia que Ana se obriga a fazer, o gás dura até três meses em sua casa. Antes do aumento, a catarinense fazia salgadinhos de festa para vender, mas com a mudança no valor do botijão se viu obrigada a parar, já que para entregar o serviço precisaria ligar o fogão mais vezes ao dia e por mais tempo.
 
Às vezes nem uso o forno elétrico, para não aumentar também a luz. A situação é precária.

Ana Regina precisou reduzir o número de vezes que cozinhava por dia para o gás durar mais

Salário mínimo deveria ser cinco vezes maior

O salário mínimo no Brasil deveria estar em R$ 6.012,18, conforme pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feita em fevereiro. O valor é quase cinco vezes maior do que o piso atual. Florianópolis tem a cesta básica mais cara entre as capitais do país – o valor passa de R$ 700.

 

Segundo o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz, para que haja um salário mínimo alto é necessário uma produtividade de mão de obra alta. O que, de acordo com ele, vem através de investimentos na educação:

Não é só oferecer escola, mas oferecer ensino. A desigualdade não se resolve da noite para o dia, então precisa de investimentos contínuos na educação para que a oferta de trabalho e a produtividade cresça naturalmente e, com ela, os salários. Nenhum capitalista seguraria os salários baixos sob risco de perder um bom profissional para outra empresa.

De acordo com o especialista, uma família que ganha 11 salários mínimos gasta, em média, 0,4% da renda mensal com botijão de gás. Já grupos que ganham apenas um salário mínimo e meio gastam 5% do salário.

 

Não é considerado uma despesa barata para os grupos de baixa renda levando em consideração que tem despesas com energia e água, por exemplo.


Para ele, em um cenário ideal, o Brasil deveria ter reservas e refinarias, já que o petróleo é produzido dentro do país. Ele explica que “a partir do momento que a gente importa, ficamos sujeitos ao preço do barril de petróleo e a taxa de câmbio da nossa moeda em relação ao dólar, o que faz com que esse valor oscile muito”.

 

O professor de economi da Udesc Adriano de Amarante explica que o preço final do botijão de gás, aquele que chega ao consumidor, é a soma de diversos preços: o que é cobrado na refinaria, impostos federais e a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia de acordo com o Estado. Além disso, ainda é somado ao valor das distribuidoras e revendedoras.


Existe uma rigidez na queda dos preços e isso acontece por conta da retroalimentação inflacionária. As pessoas internalizam os custos e ele não diminui, apenas se estabiliza.


O cenário provável nos próximos meses, segundo especialistas, é de que o preço do gás congele. O que, segundo o economista da FGV, André Braz, não é bom, já que o valor do salário mínimo não mudará.

"Estamos trabalhando para comer"

Daniely da Silva Novais dos Santos Soares, que mora no Morro do Horário, em Florianópolis, com o marido e três filhos, precisou cortar as compras de mercado e optar apenas pelo essencial. Além disso, para dar conta de comprar o botijão de gás e ainda comer, ela e a irmã decidiram dividir a cozinha e as compras de mercado. A família de ambas, com nove pessoas no total, moram em casas vizinhas, mas se alimentam juntas para economizar.

A gente faz a compra e a comida juntas. Come todo mundo lá em casa, mas cozinhar mesmo, só a janta. As crianças comem no projeto, café da manhã e almoço, e a gente já cozinha de noite pra levar para o trabalho.

Com este plano, segundo ela, o botijão chega a durar dois meses. Mas as compras foram adaptadas, devido ao aumento do valor de diversos produtos.

Bolacha recheada para as criança a gente não compra mais. Iogurte também não. É só o essencial mesmo: arroz, feijão, café, açúcar e leite (…) Antes do aumento [do gás], o meu vale alimentação era o suficiente, agora não é mais.

Os impactos não foram apenas financeiros. Segundo o que conta a catarinense, houve dificuldades emocionais ao tomar essas decisões.

A gente como mãe e como pai se encontra de mãos atadas. Deixo de comprar para mim, para dar o básico pra eles, alimentação e vestuário. A gente tá trabalhando pra comer, não existe lazer e não existe mais nada, estamos trabalhando literalmente para comer.

Se o aumento continuar, Daniely diz que a família terá que escolher entre os produtos básicos a serem comprados. Esse já é o caso de Osana Teles dos Santos, de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina. Ela mora com o marido e cinco filhos. Um botijão na casa da família dura, em média, 15 dias. O município tem o preço mais alto do botijão em todo o Estado. No mês de março, o produto era vendida por R$ 155, atrás de Itajaí, que teve preços chegando a R$ 150. Em Videira, também no Oeste do Estado, o maior valor registrado foi de R$ 148.

 

Agora não sei o que vamos fazer, aumentou quase R$ 20, não sei até quando vamos conseguir pagar tudo. São 20 ou 10 reais que fazem a diferença no fim do mês. Eu usaria esse dinheiro para comprar um leite, uma bolacha, um achocolatado para as crianças. É muito difícil, porque às vezes eles pedem as coisas, e a gente não tem condições de comprar. Agora mais ainda com tudo caro. Dói o coração ver eles pedindo e não poder dar.