Uma escola reduziu a taxa de desistência de alunos que ingressam no ensino médio de 40% para 3% em cinco anos, venceu prêmios por projetos pedagógicos e envolveu pais e moradores na periferia de Joinville, no norte de Santa Catarina. No Rio de Janeiro, capital, um colégio de ensino fundamental e médio noturno se orgulhava de reunir entre seus alunos ilustres colegas com mais de 60 anos. O desejo dos veteranos era sentir o prazer de aprender numa classe tradicional, em meio aos jovens, já divididos entre estudo, trabalho e a dureza da vida adulta. Em Salvador, Bahia, a unidade de ensino fundamental ganhou notoriedade no Estado por atender com apreço estudantes com deficiência física e intelectual. Com origens tão distantes, essas três escolas tiveram o mesmo destino nos últimos anos: foram fechadas definitivamente.
Por queda de matrículas nos últimos anos, para economizar recursos, modernizar modelos pedagógicos ou para contornar o descaso crônico de governos com a infraestrutura dos prédios, 112.562 unidades de educação básica foram desativadas no Brasil entre 2007 e 2021, com ápices nos últimos quatro anos. É como se a cada uma hora e dez minutos uma delas desaparecesse nos grandes centros e nos rincões do país. Nem mesmo a pandemia impediu que 10.693 unidades tivessem esse destino em 2020 e 2021, sendo 8,2 mil públicas.
Durante os últimos quatro anos, com auxílio de softwares de ciência de dados, a reportagem examinou mais de 550 milhões de matrículas, 289 mil unidades educacionais ativas e inativas e terabytes de dados do Censo Escolar, do Ministério da Educação. O objetivo foi tentar entender o que está por trás do fenômeno que ocorre a conta-gotas no sistema educacional brasileiro há quase duas décadas.
Por um lado, gestores argumentam que o processo é necessário para otimizar a aplicação de recursos públicos e que escolas com poucos alunos apresentam custo elevado. Por outro, casos mal resolvidos deixam cicatrizes e geram transtornos a estudantes, famílias e professores. Ainda assim, especialistas enxergam na queda de demanda por matrículas uma janela de oportunidades para melhorar a educação sem aumentar os gastos públicos.
A reportagem viajou por três Estados brasileiros para ouvir alunos, profissionais e especialistas em educação, além de uma cidade na Alemanha que enfrentou desafio semelhante há 20 anos. As entrevistas in loco foram realizadas entre agosto de 2017 e março de 2020, portanto, antes da pandemia de Covid-19. Por essa razão, os personagens fotografados não utilizavam máscaras.
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Entenda a seguir o que aconteceu com as escolas do Brasil desde 2007. O Censo Escolar classifica a situação das unidades de três formas distintas:
que funcionam plenamente
temporariamente desativadas, mas que podem voltar a funcionar
que foram definitivamente desativadas
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Nem sempre uma escola que deixa de existir é sinônimo de prédio fechado:
O Censo Escolar contabiliza como 1 escola uma unidade independente que oferece alguma ou várias das etapas de ensino da educação básica e tem um único mantenedor. Não se trata apenas de um prédio, mas da instituição.
Por exemplo, há diversos casos no Brasil em que duas instituições funcionavam no mesmo prédio, mas com mantenedores diferentes, como 1 escola municipal de ensino fundamental diurna e 1 estadual de ensino médio noturna. Muitas vezes, elas apresentam até o mesmo nome, mas são de redes diferentes.
Para o Censo Escolar, são 2 escolas ativas distintas, com um número de identificação único para cada uma delas na base de dados. Se uma for desativada, ainda que a outra permaneça ocupando o prédio, o Censo contará como 1 escola ativa e 1 paralisada ou extinta para aquela cidade.
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Em 2018, o Brasil atingiu o maior número de unidades extintas, ou seja, definitivamente fechadas: 10.209 no total, mais do que o dobro da média dos anos anteriores. Mas seguiu em patamar elevado nos censos seguintes. Mesmo na pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021, o processo prosseguiu: 10.693 fecharam as portas em definitivo, 4.581 delas só em 2021. Desde 2007, o país acumulou 71.479 escolas extintas, sendo 75,72% públicas.
Mas ainda existe um segundo tipo de unidades inativas no Censo, as chamadas paralisadas. Essas têm três destinos: podem continuar nessa condição no ano seguinte, ser reativadas ou extintas. Mas, na prática, observa-se que a maioria fica paralisada por um tempo e é extinta entre dois e três anos depois, embora haja casos que estão há pelo menos 13 anos nesse impasse. Como este é um indicador transitório, é importante o dado mais recente. Em 2021, o Brasil tinha 36.502 unidades paralisadas, 72,34% delas eram públicas. O pico tinha sido atingido em 2017, com 46,8 mil escolas. O número caiu porque a maioria delas foi extinta nos anos seguintes.
Soma de escolas com portas fechadas chega a 112.562 no Brasil
Logo, ao somar as escolas extintas entre 2007 e 2021 com as que continuavam paralisadas em 2021, o Brasil contabiliza 112.562 unidades que encerraram as atividades no país no período, seria como se 1 escola fosse desativada a cada 1 hora e 10 minutos nesses 14 anos. Desse contingente, 74,59% são da rede pública. Além disso, 67,41% apenas escolas municipais.
O Brasil não apenas fecha escolas; novas também são criadas, mas num ritmo bem mais lento. Foram 55.657 unidades novas, conforme indicado pelo Censo Escolar desde 2008, média de 3,9 mil por ano. A taxa de reposição, no entanto, não compensa a perda. Em 2021, foi a soma mais baixa da década, com 2.147 novas instituições públicas e privadas registradas. Em média, para cada 2 unidades desativadas no país entre 2008 e 2021, apenas 1 nova surgiu. Se olhar somente para a rede pública, a disparidade é ainda maior: 1 nova escola surgiu enquanto 3,67 eram desativadas no período.
Nota: os dados de 2008 podem ser superestimados devido às imprecisões dos Censos anteriores a 2007.
Muito da reposição de novas escolas se deve na verdade ao avanço da rede privada. Ela foi responsável por 58,9% das novas unidades criadas no país desde 2008. Há Estados em que isso é mais aparente, como Rio de Janeiro, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e o Distrito Federal, onde as particulares representam mais de 70% das unidades registradas pela primeira vez no Censo Escolar no período.
Nota: os dados de 2008 podem ser superestimados devido às imprecisões dos Censos anteriores a 2007.
Não é surpresa, portanto, que o número de escolas ativas seja o mais baixo desde pelo menos 2007 no país. Em 2008, impulsionado pelo crescimento de escolas privadas no Brasil, houve o pico de unidades de ensino básico ativas. De 2007 até 2021, o número de unidades em funcionamento caiu 9,3% no geral: enquanto as públicas registraram redução de 16,3%, as particulares cresceram 26,5% no período e atingiram o patamar mais alto em 2019. Em 2021, o país declarou 180.057 unidades ativas, 77,1% públicas.
Embora isso não seja observável em todos os municípios do Brasil, os governos alegam que a queda no número de matrículas, provocada principalmente pela redução na taxa de natalidade, é a principal causa da desativação de escolas. De 2007 a 2021, o total de matrículas na educação básica do país caiu 12%. Na educação infantil, houve crescimento de 26,5% no número de matrículas, mas impulsionado pela obrigatoriedade da pré-escola a partir de 2013 e a cobrança por mais creches imposta por metas do Plano Nacional de Educação, de 2014. No entanto, existe um dilema: uma parcela dessa queda nos anos finais do fundamental e ensino médio pode ser de alunos que desistiram, pois nenhum município consegue afirmar com exatidão quantas crianças e adolescentes estão fora da escola hoje, porque não há dados oficiais atualizados e censitários, apenas estimativas. O mais próximo disso são os levantamentos feitos pela Unicef e pelo IBGE, que estimavam quase 2 milhões de alunos fora da escola antes da pandemia.
Use os filtros abaixo e escolha o Estado e o município para entender o que mudou com as escolas e as matrículas da sua região, segundo o Censo Escolar:
O relógio marcava 20h42min de 30 de agosto de 2017, uma noite fria e nublada no bairro Aventureiros, periferia de Joinville, cidade mais populosa de Santa Catarina. Para os 161 alunos da escola estadual de ensino médio noturno Eladir Skibinski, jovens entre 14 e 18 anos, que se aglomeravam nos bancos do refeitório após convocação da direção, a sensação era de que a notícia por vir não seria boa.
Impactado pelo constrangimento, o diretor Ronaldo Vieira prometeu que seria econômico nas palavras:
Vieira se despediu dos alunos e seguiu para a sala dos professores para discutir o futuro. O anúncio repentino do encerramento da escola no meio do ano letivo soou como receber a notícia da perda inesperada de alguém próximo. Os alunos esboçaram reações distintas: uns pareciam desistir, outros balançavam a cabeça sugerindo discordância, alguns se inflamaram em indignação. Na sala dos professores, outro misto de inconformismo e exaustão.
Quatro horas antes, uma comitiva de seis profissionais da Gerência Regional de Educação estivera na escola. Chegaram de repente, sem carro identificado, pedindo por uma conversa urgente a portas fechadas com o diretor. A reportagem teve de ficar do lado de fora. O diretor assinou uma ata para documentar a decisão.
Cinquenta minutos depois, quando o grupo se foi – nenhum dos seis voltaria para dar a notícia e explicações a pais e alunos –, uma das assistentes de direção deixava a sala aos prantos. Ela foi notificada a escolher, até o fim daquela semana, outra unidade para trabalhar a partir de 2018. Os cinco professores efetivos compartilharam o mesmo infortúnio. Os docentes admitidos temporariamente não tiveram garantia de emprego. A merendeira e a faxineira, contratadas com recurso da Associação dos Pais e Professores, foram dispensadas.
Aos alunos, caberia escolher uma das escolas da região, distantes pelo menos dois quilômetros dali, para se matricular no ano seguinte.
Esta não foi a primeira vez que a Eladir Skibinski se viu pressionada a encerrar as atividades. Em agosto de 2016, a direção havia sido notificada pela gerência de ensino estadual a não renovar matrículas nem abrir novas para 2017. Os alunos seriam redirecionados a unidades próximas. Pais, alunos e professores reagiram, com abaixo-assinado e protestos.
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Alexsanderson Lopes, ex-aluno da Eladir Skibinski
Deyse Adriano, ex-aluna do terceirão da Eladir
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Depois dessas mobilizações, as matrículas foram homologadas pela Secretaria da Educação para 2017, e não se falou mais em fechamento. Pelo menos até 30 de agosto daquele ano. Após a nova notícia da desativação, o grupo tentou se mobilizar de novo:
Ainda que desanimados, os alunos levantaram as mãos em apoio ao professor. Novamente, fizeram abaixo-assinado, provocaram uma audiência pública na Câmara de Vereadores, desfilaram com faixas de protesto em 7 de setembro, pediram reunião com o secretário de Educação, que nunca aconteceu. Mas a escola fechou em dezembro de 2017.
discursou para os alunos André Linhares Medeiros, 44 anos, professor de Geografia e presidente do Conselho Deliberativo da Eladir Skibinski, logo após a notícia da desativação
desabafa André Medeiros, que hoje leciona numa escola do outro lado da cidade porque, segundo ele, não lhe concederam vaga nas proximidades da antiga.
Então presidente do conselho deliberativo da escola, André Linhares Medeiros motivou os alunos a se envolverem num concurso ambiental em 2017, que premiou projetos de inclusão comunitária para conscientizar e promover a recuperação de rios da região. Concorreram com 1,2 mil alunos de escolas públicas e privadas do Estado. Venceram.
Situada numa região carente de Joinville, onde 65% dos moradores são de classe média baixa, seis em cada 10 moradores concluíram o ensino fundamental e apenas 5% se formaram na faculdade, a escola se mobilizou num esforço com pais e alunos para reduzir o abandono no 1° ano do ensino médio. Em 2011, 41% dos alunos matriculados nessa série desistiram de estudar – índice 3,1 vezes maior do que a média brasileira naquele ano.
Em 2016, a escola já tinha conseguido diminuir para apenas 3%. Foi uma redução de 14 vezes na taxa de abandono, que agora passava a ser 3,2 vezes menor do que o índice nacional. A unidade melhorou também o índice de aprovação nas três séries do ensino médio. Em 2011, pouco mais da metade passava de ano. Em 2016, os aprovados superavam 70%.
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Para Medeiros, sentimento é de frustração após o fechamento da escola (Foto: Diorgenes Pandini, B.D., 04/12/2019)
Deyse Adriano, ex-aluna do terceirão da Eladir
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A Eladir Skibinski era remanescente de um modelo improvisado de escolas compartilhadas que surgiu no Brasil para conter a demanda ainda crescente por ensino médio dos anos 1990 e início dos anos 2000. Nos últimos anos, a unidade de ensino médio noturno funcionava dentro da Escola Municipal Prefeito Wittich Freitag, de ensino fundamental. O prédio de dois andares era novo e bem cuidado. Mas não tinha biblioteca, cozinha, quadra de esportes nem laboratórios. Criada em 2002, era o terceiro endereço que a Eladir Skibinski ocupava. O próprio nome foi emprestado de outra escola municipal que fica a 600 metros de distância e ainda funciona.
Por duas vezes a escola ficou próxima de ganhar sede própria, mas problemas burocráticos impediram que o desejo se concretizasse. Segundo a Secretaria de Estado da Educação de SC, a falta de infraestrutura adequada para alunos de ensino médio, a queda no total de alunos ao longo dos anos e a oferta de vagas em escolas do entorno foram as razões para encerrar a operação na Eladir. De 2007 a 2017, a escola perdeu 33% do total de matrículas. A média de 35 alunos por turma se resumiu a 26 no ano derradeiro.
No Rio de Janeiro, um colégio acolhedor de jovens a idosos foi obrigado a fechar as portas, apesar dos pedidos da comunidade para que a decisão fosse reconsiderada. Unidade servia de rota de passagem entre o trabalho no Centro e as casas dos alunos nas comunidades. Ruptura provocou uma série de transtornos
Dissabor semelhante ao que frustra o professor Medeiros em Joinville é sentido no Rio de Janeiro pela professora aposentada Maria João Bastos Gaio, ex-diretora da Escola Estadual Professor José Pedro Varella, fechada em 2012. A unidade herdou o nome do sociólogo e educador uruguaio, expoente por defender uma educação inclusiva, laica e patrocinar o ensino público naquele país no século 19. Pois assim era a escola do bairro Estácio, na região central do Rio de Janeiro. Atendia alunos a partir dos 15 anos, em idade apropriada para a série, mas incluía os que já passaram dessa faixa etária e faziam questão de estudar numa classe convencional: pessoas com mais de 21 anos representavam 46% das matrículas.
Havia 7 estudantes com mais de 60 anos matriculados no último ano de operação. Uma delas era Dona Odília, uma das duas com mais de 70 anos que recém haviam chegado ao ensino médio, conquista com a qual sonhou a vida toda. Ela decidiu se matricular porque queria ler a bíblia sozinha e, ao perceber que progredia, perseverou com os estudos. Outro estudante carente estava havia 20 anos no ensino fundamental, mas seguia frequentando as aulas, porque era como se sentia inserido na sociedade, apesar das dificuldades em aprender. Ainda havia alunas que levavam os bebês para a turma a fim de evitar faltar às aulas por causa da amamentação.
A escola José Pedro Varella funcionava no pavimento superior de outra municipal, a Mario Claudio, de classes diurnas. Isso porque o prédio original, de 1932, já havia sido desmanchado para dar lugar à construção da estação Estácio de metrô no início dos anos 1980. No novo endereço, no entanto, não dispunha de muito espaço, além das salas de aula alugadas do município pelo Estado. Apenas uma sala para abrigar a direção e os históricos escolares e a biblioteca própria. Mas era o suficiente para atender os alunos que preferiam a unidade por ser rota de passagem entre o Centro e os bairros residenciais.
Diretora entre 2005 a 2011, Maria João afirma ter implantado uma didática mais humanizada e acolhedora para garantir espaço aos alunos que já enfrentavam problemas pessoais fora da escola. Para ela, era uma forma de amenizar as adversidades pelas quais os estudantes passavam e estimulá-los a persistirem com os estudos.
defende Maria João Bastos Gaio, ex-diretora da José Pedro Varella
Um colégio de todas as gerações, Dona Odília (ao centro, com bengala) e a diretora Maria João Bastos Gaio com a aluna que levava o filho ainda bebê para assistir às aulas (Foto: Arquivo Pessoal)
Em 2011, a diretora foi chamada a comparecer na coordenadoria regional de ensino. Recebera a notícia de que a escola seria fechada a partir do ano seguinte. Entre os argumentos para a desativação, segundo Maria João, estavam os indicadores avaliados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A escola tinha altas taxas de reprovação e abandono tanto no ensino fundamental quanto no médio.
Também apresentava elevado índice de distorção idade-série, ou seja, quando o aluno tem atraso escolar de pelo menos dois anos em relação ao esperado para a idade. No Ideb, a escola não conseguiu bater nenhuma meta desde 2005 e encerrou em 2011 com o conceito 1,7 nos anos finais do fundamental, pouco mais da metade do alcançado pela rede estadual do Rio de Janeiro, que foi de 3,2.
Ainda assim, a escola se destacou em outras frentes, segundo Maria João. Em 2005 e 2006 recebeu prêmios pelo número de alunos aprovados no vestibular. Também conquistou o primeiro lugar em um concurso de redação promovido pela Academia Brasileira de Letras.
Prédio municipal que até 2011 era compartilhado com o Colégio Estadual José Pedro Varella, no Rio de Janeiro: após desativação, mais de 50% dos estudantes desistiram de estudar (Foto: Diorgenes Pandini)
lamenta o fotógrafo e cinegrafista Fabricio de Sousa Araujo Junior, 27 anos, que cursava o ensino médio.
As recordações são parecidas com as guardadas pelo bancário Márcio Lima, 26 anos:
Márcio Lima, ex-aluno da José Pedro Varella.
Na tentativa de salvar a escola, os alunos fizeram abaixo-assinado, uma audiência pública com a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa e pediram reunião com o Ministério Público. Para chamar a atenção da sociedade, realizaram uma aula a céu aberto, na calçada em frente à escola. Mas a desativação da unidade não foi revertida pelo governo do Estado do Rio de Janeiro.
Estudantes promoveram “aula pública” do lado de fora para protestar contra desativação do Colégio Estadual José Pedro Varella, em outubro de 2011 (Foto: Arquivo Pessoal)
Para Maria João, foi difícil presenciar, ainda antes de o ano letivo terminar, a retirada de móveis e equipamentos da escola para serem levados a outras unidades da rede estadual.
desabafa Maria João.
Procurada para explicar as razões que levaram ao fechamento do Colégio Estadual Pedro Varella, a Secretaria de Estado da Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) não atendeu aos pedidos. A reportagem foi pessoalmente na sede da secretaria em 17 de dezembro de 2019, mas não foi recebida nem sequer pela assessoria de comunicação do órgão. Por meio da Lei de Acesso à Informação, o órgão respondeu, quatro meses depois, que a desativação da José Pedro Varela entre 2011 e 2012 “pautou-se nos mesmos critérios utilizados para a ação de descompartilhamento nas demais escolas estaduais compartilhadas com a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro”.
Segundo a Superintendência de Planejamento e Integração das Redes da secretaria estadual, essa medida foi tomada pelo fato de existir outras unidades estaduais próximas com espaço suficiente para acomodar todas as turmas e porque os alunos passariam a ser atendidos num prédio próprio, próximo ao de origem, com espaços mais adequados ao atendimento de alunos do ensino médio, além da possibilidade de estudar em um turno diurno.
A secretaria argumentou ainda na resposta via Lei de Acesso à Informação, que a escolha da escola de destino “era feita quando era possível abrigar 100% das turmas de uma escola compartilhada numa outra escola estadual, ou seja, a SEEDUC garantiu a existência de espaço suficiente no destino proposto para atender a todos os alunos no ano seguinte”.
Chamados pelos gestores públicos como processos de “reorganização” ou “reordenamento escolar”, os movimentos de fechamento definitivo, paralisação e abertura de novas unidades de educação básica atingiram o ápice nos últimos cinco anos no país, mas de forma distinta entre Estados e municípios. Em números absolutos, considerando as redes privadas e públicas, Minas Gerais foi o Estado que mais desativou unidades de 2007 e 2021: foram 15.529, das quais 7.281 foram extintas e 8.248 estão paralisadas. Ao considerar apenas a rede pública, a Bahia lidera, com 12.809 educandários: 9.813 definitivamente encerradas de 2007 a 2021 e 2.996 paralisadas em 2021.
Já o Piauí foi o Estado que mais desativou unidades de ensino básico públicas desde 2007, proporcionalmente à população: 155 escolas para cada 100 mil habitantes. O Estado forma um cinturão ao lado de Tocantins, Bahia, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba de regiões que mais promoveram essas mudanças proporcionalmente ao número de moradores. Nesse perímetro, ficam cidades como Severiano Melo (RN), Vera Mendes (PI), Lizarda (TO), São José de Espinharas (PB) e Maetinga (BA), que ostentam taxas de mais de 10 escolas e creches desativadas para cada 1 mil moradores entre 2007 e 2021.
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Em 380 cidades brasileiras há mais escolas públicas paralisadas (que estão temporariamente inativas, mas podem voltar a funcionar) do que escolas em atividade. Em Pilão Arcado, na Bahia, há 111 unidades de Educação Básica paralisadas diante de 42 ativas. Em Oeiras, no Piauí, são 100 paralisadas para 39 ativas. Proporcionalmente, no entanto, cinco cidades mineiras têm mais de 5 escolas paralisadas para cada 1 ativa: Formoso, Comendador Gomes, Limeira do Oeste, Rio do Prado e São Francisco de Sales.
Já em Santa Catarina, Presidente Nereu, Guarujá do Sul, Cunhataí, Paial, Alto Bela Vista e Barra Bonita são as cidades que apresentam mais escolas públicas paralisadas do que ativas.
Por outro lado, 348 municípios brasileiros não desativaram escolas públicas entre 2007 e 2021, segundo o Censo Escolar. São 130 da região Sudeste, 114 do Sul, 76 do Centro-Oeste, 20 do Nordeste e 8 do Norte. Apenas em Santa Catarina, 14 cidades não desativaram unidades de Educação Básica no período: Arabutã, Bombinhas, Ibiam, Ibicaré, Ipira, Jardinópolis, Lacerdópolis, Lajeado Grande, Laurentino, Ouro Verde, Piratuba, São Bonifácio, Tigrinhos e Vargeão.
Entre 2007 e 2021, 2.915 unidades de Educação Básica públicas e privadas foram desativadas em Santa Catarina. Delas, somente 648 estão paralisadas e podem voltar a funcionar. O volume equivale à média de 1 unidade desativada a cada 2 dias no período. Equivale também a um índice de 31 educandários fechados para cada 100 mil habitantes, a mesma taxa do Rio Grande do Sul e quase o dobro da registrada no Paraná.
Desse total, ainda, 2.272 (78%) eram instituições públicas, das quais 2.006 das redes municipais, 262 da estadual e 4 federais. Só em 2019, último ano em que a rotina escolar não havia sido impactada pela pandemia de Covid-19, foram declaradas extintas 272 unidades públicas no Estado, o maior número em pelo menos 14 anos. Ainda em 2020 e 2021, mesmo com pandemia e paralisação parcial do ensino presencial, 167 instituições de ensino básico públicas foram encerradas em definitivo, além de outras 64 particulares.
E o movimento tende a continuar. Para este ano letivo, a Secretaria de Estado da Educação informou a desativação de 11 unidades estaduais, das quais 10 ainda apareciam como “ativas” no Censo Escolar de 2021. Além disso, o Conselho Estadual de Educação, responsável por dar o parecer sobre os pedidos de encerramento, já aprovou 1 desativação definitiva de unidade pública em 2022, da Escola de Educação Básica Comendador Carlos Zadrozny, em Blumenau, da rede estadual, paralisada desde 2017. O conselho deu parecer favorável à desativação definitiva de outras 5 escolas públicas e 5 privadas em 2021, cujos dados só devem ser incluídos no próximo Censo Escolar.
A Secretaria de Estado da Educação argumenta que dos 11 colégios desativados em 2022, 10 passaram pelo processo de municipalização, ou seja, os espaços serão reaproveitados pelas prefeituras.
Nem todos os casos de desativação de escolas resultaram em prédios desocupados ou entregues a outras finalidades. Em alguns episódios, a etapa de ensino oferecida pela escola desativada trocou de mãos. A maioria dos Estados decidiu focar no ensino médio e negociar com os municípios a transferência do atendimento no ensino fundamental, por exemplo, ou afirma ter desativado uma unidade com baixa procura para ceder o espaço para outra etapa mais demandada pelos municípios.
É o que vem acontecendo em Santa Catarina, segundo justificativa da Secretaria de Estado da Educação. Desde 2011, o Estado colocou em prática o chamado Plano de Ofertas Educacionais, no qual mapeou junto aos municípios a demanda por matrículas em todas as cidades e iniciou negociação com as redes municipais para celebrar convênios e repassar recursos, com doação e compartilhamento de móveis, equipamentos e imóveis. Também foram formados grupos locais – com técnicos das regionais de ensino e prefeituras – para identificar a demanda atual e futura.
Segundo a secretaria, os grupos indicam a necessidade de rearranjo do sistema educacional local, com a eventual conclusão de fechar unidades, concentrar alunos de uma região numa única escola ou repassá-las aos municípios para que reaproveitem a estrutura. Há prefeituras que convertem o espaço ocioso em unidades de educação infantil, etapa em que a demanda é mais crescente.
Questionados pela reportagem, os ex-secretários de Estado da Educação de SC, Eduardo Deschamps (2011-2018) e Natalino Uggioni (2019-2020), afirmaram em entrevistas concedidas na época em que estavam à frente da pasta que as medidas de desativação de escolas tiveram como objetivo otimizar o uso de recurso público na rede estadual, concentrando os investimentos nas unidades com mais alunos, para onde também deveriam ir os estudantes dos colégios desativados. Outro objetivo, nas cidades onde era possível, foi gradativamente passar a responsabilidade das turmas de ensino fundamental para os municípios, para o Estado focar no ensino médio. No entanto, ambos não apresentaram nenhuma evidência de que a reorganização escolar tenha gerado resultados no ensino ou no caixa do Estado.
Como o Estado ainda registra a chamada litoralização, com as famílias do interior se mudando para o Litoral, nessas regiões houve criação de novas escolas estaduais para atender a demanda crescente, enquanto no interior do Estado as desativações foram mais frequentes desde 2007.
Atual secretário, Luiz Fernando Vampiro afirma que o objetivo se mantém, mas que o foco atual é na ampliação das estruturas, visando principalmente a adequação ao Novo Ensino Médio e a atualização tecnológica. No entanto, reconhece que a pandemia afetou planos da secretaria (Clique aqui para ir direto à entrevista completa com o secretário).
Ainda que boa parte das escolas estaduais desativadas tenham sido negociadas com as prefeituras, os municípios foram os que mais extinguiram unidades de Educação Básica desde 2007 em Santa Catarina. Em Matos Costa, no Meio-Oeste, 26 instituições públicas deixaram de funcionar, praticamente uma fechada a cada 100 moradores, a maior incidência no Estado. É seguida por Anitápolis, na Grande Florianópolis, onde as 25 unidades públicas e 1 privada desativadas representam 1 fechada para cada 124 moradores.
Em São José do Cerrito, na Serra, está a maior soma total de unidades públicas desativadas desde 2007: 61, sendo 51 extintas e 10 paralisadas. Entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, Lages (49 escolas públicas no total), Florianópolis (27) e Joinville (25) foram as que mais desativaram os educandários públicos entre 2007 e 2021.
Protestos contra fechamento de escolas em Salvador (Foto: Cristian Edel Weiss, B.D. 20/12/2019)
Em números absolutos, a Bahia foi o Estado que mais desativou unidades públicas de educação básica entre 2007 e 2021 no Brasil. Foram 12.809 no período, das quais mais de 12,4 mil das redes municipais e 368 da rede estadual. Entre 2018 e 2021 ocorreu o ápice do movimento, foram 5.781 unidades extintas (197 na rede estadual e outras 5.584 nas municipais), segundo o Censo Escolar. Há ainda outras 55 instituições que estão paralisadas pelo Estado e 2.941 pelos municípios.
E o movimento ainda é latente. No fim de janeiro do ano passado, 35 estudantes ocuparam o prédio do Colégio Estadual Odorico Tavares, em Salvador, em protesto contra a desativação da unidade. Na mira do governo estadual está a venda do prédio, localizado em uma das áreas mais nobres de Salvador, porque tem capacidade de abrigar 3,6 mil alunos, mas registrava apenas 360 matriculados até dezembro de 2019.
Ainda em dezembro de 2019, outra unidade mobilizou moradores da capital baiana. No Colégio Estadual Ruy Barbosa, onde alunos com deficiência física e intelectual estavam matriculados, o protesto ocorreu principalmente pela preocupação desses estudantes não conseguirem atendimento adequado nas novas unidades e receio de sofrer bullying, caso se vejam obrigados a se matricular numa escola regular.
Familiares de estudantes registraram indignação pela medida:
Claudia Alves,
auxiliar de limpeza.
Receio de pais e ex-alunos do Colégio Estadual Ruy Barbosa, em Salvador, é não ter atendimento adequado em outra unidade (Foto: Cristian Edel Weiss, B.D. 20/12/2019)
A empresária Cintia Barbosa, mãe de Pedro, que é deficiente auditivo, relata que os colegas do filho aprenderam a língua de sinais (Libras) para conversar com ele. Para ela, é um exemplo de como a inserção do filho no Colégio Ruy Barbosa era harmoniosa.
Cintia Barbosa, mãe de Pedro, aluno deficiente auditivo no Colégio Ruy Barbosa.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a reportagem questionou a Secretaria de Estado da Educação da Bahia sobre as consequências aos alunos afetados. Mas não houve resposta. Em entrevista à reportagem em dezembro de 2019, o subsecretário de Estado da Educação da Bahia, Danilo de Melo Souza, evitou falar em números, mas reconheceu que mais unidades poderiam ser desativadas nos próximos anos, após estudos da secretaria. Um dos focos do Estado é o investimento em unidades de educação em tempo integral.
Danilo de Melo Souza, subsecretário de Estado da Educação da Bahia.
Problemas estruturais também têm sido comuns na hora de optar pela desativação de uma unidade na Bahia. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 2007. Embaixo das arquibancadas do antigo estádio da Fonte Nova, em Salvador, funcionava o Colégio Estadual Fonte Nova, que oferecia turmas de ensino fundamental e médio. A escola chegou a ter mais de 1 alunos nos anos que precederam o encerramento das atividades.
Na noite de 25 de novembro de 2007, parte da arquibancada desabou durante uma partida entre Bahia e Vila Nova. Sete pessoas morreram na queda. No dia seguinte, o colégio foi interditado e os alunos, removidos para unidades próximas. Lá, permaneceram nos anos seguintes. O antigo estádio foi demolido para dar lugar à Arena Fonte Nova, usada como sede da Copa do Mundo FIFA de 2014.
Claudia Alves,
auxiliar de limpeza.
Queda da arquibancada do antigo estádio da Fonte Nova acelerou o fechamento da escola, que chegou a ter mais de 1 mil alunos dos ensinos fundamental e médio (Foto: Welton/AG A Tarde/Agência o Globo)
Escola ficava embaixo do estádio, com entrada dos alunos pela lateral (Foto: Facebook/Reprodução)
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Profissionais que trabalharam na antiga escola relatam que o risco era iminente. Às segundas e às quintas-feiras, dias de pós-jogo, era forte o cheiro de urina sentido nas salas de aula devido a infiltrações dos banheiros do estádio. As paredes e o teto também tremiam com o movimento das pessoas pelas galerias.
Ana Simões da Silva, professora que dava aulas no Colégio Fonte Nova até 2007 e também lecionou no Anfrisia Santiago, extinta no mesmo ano em Salvador.
Ana Simões da Silva lecionava em duas escolas extintas em 2007. Fonte Nova era a mais conhecida, desativada por desabamento da arquibancada do estádio que a abrigava (Foto: Cristian Edel Weiss, B.D. 20/12/2019)
Magnólia Sena acredita que o reordenamento das escolas tende a ser benéfico, se feito com critério, porque reduziria o gasto público com prédios ociosos. Ela acompanhou os alunos da Fonte Nova que se transferiram para o Colégio Mestre Moa do Katendê, que hoje também sofre com redução de matrículas (Foto: Cristian Edel Weiss, B.D. 21/12/2019)
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Professora por 14 anos no Fonte Nova, Magnólia Sena, hoje aposentada, defende o reordenamento escolar, ao recordar das dificuldades pelas quais passavam com a antiga estrutura. Ela explica que parte dos alunos da Fonte Nova foram transferidos para o Colégio Estadual Victor Civita (hoje sob o nome de Mestre Moa do Katendê), onde ela também passou a lecionar. Mas, devido à queda da natalidade na região e a consequente diminuição da demanda por matrículas, esse colégio também corre o risco de ser extinto.
Magnólia Sena, ex-professora do Colégio Fonte Nova.
A maioria das 112.562 unidades de educação básica desativadas no Brasil tinha um aspecto em comum: a queda gradual nas matrículas desde 2007. Mas outros fatores também motivaram o encerramento das atividades, como problemas estruturais e a defasagem do método oferecido, a exemplo das escolas do campo, em que alunos de diferentes idades compartilhavam a mesma turma, as chamadas classes multisseriadas.
Mas há ainda os casos em que a unidade trocou de gestão, passou das mãos do Estado para o município, por exemplo. Isso é muito comum quando os Estados repassam às prefeituras a tarefa de gerenciar escolas de ensino fundamental e infantil, enquanto projetam assumir apenas o ensino médio. É a chamada municipalização. Nesses casos, para o Inep, o registro da antiga escola é encerrado e um novo registro é gerado para a gestão que assume, mesmo que a unidade permaneça com o mesmo nome ou funcione no mesmo endereço.
De cada 10 unidades educacionais que deixaram de funcionar no Brasil desde 2007, em média seis estavam localizadas na zona rural. As redes municipais foram responsáveis por quase 70% das desativações.
Dentre as 112.562 públicas e privadas cadastradas no Censo Escolar como extintas e paralisadas, a reportagem conseguiu mapear as características de pouco mais de 54 mil, porque as demais estavam sem atividade antes mesmo de 2007 e, portanto, não registraram nenhuma matrícula no período. É também a partir de 2007 que o Censo passa a ser totalmente digital e mais abrangente, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Do grupo observado, 39% eram escolas que ofereciam turmas de ensino fundamental (do 1º ao 9º ano ou da 1ª à 8ª série), 29% ofereciam turmas de educação infantil (creche e pré-escola) e 2% tinham classes de ensino médio. Desse montante, pelo menos 20% tinham turmas multisseriadas, com alunos de diferentes séries e idades compartilhando a mesma sala.
Das 54 mil unidades desativadas a partir de 2007, das quais foi possível a reportagem rastrear as matrículas por meio do Censo Escolar, 66% registraram queda no total de alunos atendidos em uma década, entre 2007 e 2017. Outros 34% tiveram aumento ou mantiveram o mesmo número no período. Em média, as unidades desativadas no período atendiam a 51 alunos no último ano em atividade. Por meio da Lei de Acesso à Informação, a reportagem solicitou aos 26 Estados e ao Distrito Federal as razões que levaram às desativações (veja aqui detalhes das respostas).
Praticamente todos citam queda na demanda por matrículas. Outras razões alegadas é a municipalização do ensino fundamental, que ocorre quando escolas estaduais que ofereciam essa etapa são encerradas, dando espaço para que surja uma outra da rede municipal, além da desativação de unidades isoladas multisseriadas, que abrigam na mesma turma alunos de diferentes idades, e instituições cujos prédios estão condenados. Mas quase em todos os casos, o pano de fundo gira em torno da redução da demanda por novas matrículas.
Mesmo entre as unidades de educação básica ativas, a tendência é de queda gradual nas matrículas. A reportagem comparou a situação de 155 mil delas entre 2008 e 2018: 87.157 (57,8%) tiveram redução no total de alunos registrados, enquanto 63.851 mantiveram ou aumentaram os números no período.
Em 2018, a média das ativas no Brasil era de 282 matrículas. Já em 2021, caiu para 259.
Conforme o Censo Escolar, as turmas de Educação Básica, que vão desde a educação infantil até profissionalizante, além de ensino de jovens e adultos, somaram 46.668.401 de matrículas em 2021. Mas desde 2007 houve uma perda de 6.360.527 vagas, redução de quase 12% no período.
Em estados como Bahia, Minas Gerais e Ceará, a perda foi em torno de 20%. Das 27 unidades federativas, 21 tiveram queda no total de matrículas desde 2007. Apenas 6 apresentaram crescimento: Roraima (23,4%), Santa Catarina (4,23%), Acre (2,67%), Mato Grosso (1,48%), Distrito Federal (1,08%) e Amazonas (0,78%).
Mas mesmo esse aumento de 4,23% observado em Santa Catarina não é no todo orgânico. Tem sido puxado principalmente pela migração rumo às cidades litorâneas, além do crescimento da educação infantil no Estado, em parte pelo aumento de vagas em creches (para atender a uma histórica demanda reprimida nos municípios) e em outra medida para cumprir a obrigatoriedade de ter todas as crianças de 4 e 5 anos na pré-escola. Essa exigência foi imposta por uma emenda constitucional federal em 2009, dando 2016 como prazo final para ser implementada.
Apenas nessa etapa de ensino, o Estado saltou de 236.118 matrículas em 2007 para 373.177 em 2021, alta de 58%. Mas teve redução de 30.139 matrículas do ensino fundamental. Com exceção de Sergipe e Rio Grande do Norte, todos os demais estados também tiveram crescimento na oferta de vagas em educação infantil. Assim como Santa Catarina, a maioria também apresenta quedas no ensino fundamental.
Em quase metade das cidades brasileiras, a queda no número de matrículas teve relação com o fechamento de unidades de educação básica no país.
Em 46% dos municípios do Brasil, houve queda tanto no total de escolas ativas quanto no de matrículas entre 2007 e 2018
Em 12,3%, também houve queda no total de escolas em funcionamento, apesar do aumento de matrículas
Em 24,3%, houve aumento no total de escolas ativas, mas queda no total de matriculas
Em apenas 16,4% das cidades, houve alta tanto no total de matrículas quanto no de escolas ativas
Mas o movimento não foi uniforme em todos os Estados. Confira alguns exemplos:
Olhando para o número de escolas ativas que havia no Brasil em 2007 e o que restou em 2018 em todas as redes, percebe-se a tendência: houve redução de aproximadamente 7,5%. No mesmo período, o total de matrículas da educação básica também recuou em 8,6%.
Há estados em que o fluxo migratório é visível, como em Santa Catarina, onde há o esvaziamento do interior e crescimento da demanda no litoral.
O movimento, no entanto, não é uniforme. Há estados em que, apesar do aumento de matrículas, o total de escolas ativas diminuiu, como no Piauí.
E o inverso, como em São Paulo, onde houve queda no total de matrículas, mas a soma de escolas ativas de todas as redes teve aumento no período na maioria das cidades.
De cada 10 unidades educacionais que deixaram de funcionar no Brasil desde 2007, em média seis estavam localizadas na zona rural
No pátio central da Escola Isolada Avencal do Saltinho um mapa com três de largura cobria a parede do corredor de acesso às salas de aula na zona rural de Mafra, cidade 56 mil habitantes no Planalto Norte de Santa Catarina. O mapa não é da cidade, tampouco veio encartado em livros didáticos. Nele, estava sinalizada a casa de cada criança do pré-escolar ao 5º ano do ensino fundamental. No centro dele, a escola. Com a ajuda dos alunos, as professoras desenharam o trajeto que os pequenos percorriam diariamente para chegar à sala de aula.
Na extremidade esquerda do cartaz estava a casa mais distante. Era a de Jéssica Mara Soares, que tinha 8 anos quando a reportagem visitou a escola pela primeira vez, em setembro de 2017. A menina que hoje estuda no 6º ano do ensino fundamental, ainda era aluna do 3º ano. A estudante mora na localidade de Rio do Cedro, a 28 quilômetros da Avencal do Saltinho. Na dimensão de zona rural, onde não há estradas pavimentadas e o tempo pode ser aliado ou inimigo, dependendo das condições da atmosfera, ela se acostumou a levar, em média, 1 hora e 20 minutos para ir e mais o mesmo tempo para voltar. Se chover, as estradas viram lama e o percurso se torna ainda mais lento.
resumiu timidamente Jéssica Mara Soares, então com 8 anos, ao ser perguntada sobre o tempo do trajeto diário e o cansaço.
Jéssica Mara Soares, então com 8 anos, quando estudava no 3º ano do ensino fundamental da Escola Isolada Avencal do Saltinho, uma das poucas que restaram em Mafra após uma década de desativações das antigas estruturas. Para ir à escola, a menina percorre 20 quilômetros e passa em frente a uma unidade hoje desativada (Foto: Léo Munhoz B.D., 31/08/2017)
Num único ano letivo, que tem em torno de 200 dias, a pequena estudante chegava a percorrer em média 8 mil quilômetros no trajeto para ir e voltar da escola, distância equivalente a uma viagem de ida de Florianópolis a Medellín, na Colômbia. No trajeto, ela ainda avistava uma escola primária que no passado abrigava as crianças da comunidade. Ela teria sido alfabetizada ali, bem mais perto de casa, se não fosse mais uma unidade desativada na última década.
A Avencal do Saltinho tem cerca de 70 alunos. Segundo a diretora Adriana Schafascheck, apenas a metade é da localidade onde está edificada. A maioria vem das outras regiões de Mafra, o 4º município com maior extensão territorial de Santa Catarina e predominantemente rural. A função da unidade é estratégica atualmente: atender a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), principalmente da região Oeste da cidade. Isso porque o município iniciou uma profunda reforma na distribuição de escolas pelo território.
Conforme o Censo Escolar, Mafra foi uma das cidades do Estado que mais extinguiram instituições rurais entre 2007 e 2021, 47 unidades, pouco atrás de São José do Cerrito, que desativou 57. O número de escolas e centros de educação infantil que fecharam as portas em Mafra é quase o mesmo número de todos os educandários atualmente em atividade no município (48). Ao circular pelas estradas de chão no interior do município, ainda são visíveis as ruínas que um dia serviram de sala de aula para gerações anteriores. Algumas viraram moradia ou foram reaproveitadas como galpões pelos donos que cederam as áreas para as escolas funcionarem.
Mapa construído com as crianças mostra o trajeto que cada aluno faz para chegar diariamente à Escola Isolada Avencal do Saltinho. A casa de Jéssica era a mais distante (Foto: Léo Munhoz)
A redução de unidades educacionais na zona rural é um movimento que ocorre em todo o país. Desde 2007, em média 6 em cada 10 unidades de educação básica desativadas são em áreas isoladas, tanto no Brasil quanto em SC. No país foram 70.831 das redes pública e privada, de 2007 a 2021: 49.424 extintas e outras 21.407 paralisadas. Em Santa Catarina, foram 1.390 extintas entre 2007 e 2021 e 234 estão temporariamente inativas.
Segundo os governos estaduais, entre os principais motivos para o fechamento das escolas rurais estão a dificuldade de acesso do professor às unidades, a estrutura precária, a baixa concentração de alunos e um modelo que tinha no sistema multisseriado a forma de atender a todos, mas que para alguns especialistas impedia o desenvolvimento individual. Nesse sistema, era comum alunos de idades diferentes dividirem a mesma turma e a mesma professora, que também cuidava da merenda e da organização da unidade.
O custo de manter uma escola isolada é trocado pelo transporte escolar. A promessa é de que o aluno terá mais chances de se desenvolver num espaço em que as turmas são divididas de acordo com as idades, sem abandonar o currículo voltado para a realidade do campo. O esvaziamento das cidades do interior, com as famílias migrando para municípios maiores, torna inviável a manutenção das unidades isoladas.
Escola Isolada Avencal do Saltinho, uma das raras unidades da zona rural de Mafra que resistiram ao tempo. Mas queda de alunos põe em risco a existência da escola (Foto: Diorgenes Pandini, B.D., 5/12/2019)
Eduardo Deschamps, presidente do Conselho Nacional de Educação entre 2016 e 2018 e ex-secretário da Educação em SC (2012-2018).
Em 2014 entrou em vigor a lei federal 12.960, que acrescenta um parágrafo à Lei de Diretrizes de Bases da Educação (LDB) determinando a exigência de manifestação de órgãos normativos do setor, como os conselhos municipais ou estaduais de Educação, antes de decidir pelo fechamento de uma escola na zona rural e em comunidades indígenas ou quilombolas. A norma exige que as secretarias de Educação apresentem uma justificativa sobre a necessidade de encerrar as atividades e que a comunidade local seja ouvida.
Mas na prática, pouco resultado foi alcançado. Das 48.912 unidades públicas e privadas de educação básica extintas na zona rural desde 2007 em todo o país, 54,5% receberam o aval para extinção após a vigência da lei, 2.851 apenas em 2021. Além disso, o país tem outras 21.142 unidades públicas paralisadas.
A rápida evolução da desativação de unidades em áreas rurais provocou a mudança do perfil na Educação Básica brasileira nos últimos 14 anos, especialmente na rede pública. Em 2007, havia em atividade 87 mil instituições de educação básica na zona rural. O número chegava a superar até mesmo as 78,1 mil escolas urbanas em operação. Mas a partir de 2010 esse quadro se inverteu. Em 2020, enquanto o total de escolas públicas urbanas cresceu 9,2% no país, o de rurais caiu 35%.
A Avencal do Saltinho é uma das poucas opções que restaram aos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental na zona rural de Mafra, em Santa Catarina. A partir do 6º ano, eles precisam se deslocar ainda mais, para a Escola Estadual Hercílio Buch. É o caso da Jéssica, que já iniciou a transição para a nova escola. Já a irmã mais nova dela, Jaqueline, é agora quem refaz o caminho para estudar no primário da Avencal do Saltinho.
Na Escola Estadual Hercílio Buch, muitos alunos precisam sair às 5h para chegar em tempo. O colégio recebe alunos de 24 localidades. São 109 estudantes do ensino médio, além de duas turmas das séries iniciais do ensino fundamental e sete das séries finais. Mesmo sendo referência para a região, a escola também está perdendo alunos. Em 2007 tinha 423 matriculados. Em 2021 eram 263, segundo a Secretaria de Estado da Educação: uma redução de 37,8%.
A distância e os percalços das viagens diárias não desanimam os alunos, que até enxergam para o futuro os benefícios de ir para uma escola maior. Apesar da criação no interior e de ajudar os pais na lida do campo, almejam prosseguir com os estudos e sonham com profissões urbanas.
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Yan Talles de Lima, levava 40 minutos para ir à escola e 1h17min para voltar. O percurso não era impecilho para desejar seguir adiante com os estudos.
Ana Carolina dos Santos estudava no primário numa escola rural que fechou. Para ela, o percurso diário de 1h30min não afetava mais no ensino médio:
Débora Steidel, estudou na Hercilio Buch desde 2017 e levava aproximadamente 1 hora para chegar à escola. Ainda assim, a jovem, que estava no 3º ano do ensino médio, se viu motivada em planejar uma carreira empresarial:
Alessandra Xavier Sá Ribas, professora de Língua Portuguesa da Hercílio Buch, relata o esforço da escola para manter os alunos motivados e garantir a eles oportunidades:
Quando a reportagem visitou a escola pela última vez, em dezembro de 2019, Yan Talles de Lima estava no 2º ano do ensino médio, mas já sonhava com três graduações: Administração ou História e, mais tarde, Sociologia. Ex-aluno da Avencal do Saltinho, ele ainda percorria 24 quilômetros por dia de ônibus, sendo 40 minutos para ir à escola e 1h17min para voltar para casa, devido à alternância do trajeto.
Dábora Steidel, aluna do 3º ano, também estava decidida. Sonhava com a graduação em Administração e uma pós em Recursos Humanos. Levava 1 hora para percorrer o trajeto entre a escola e a casa.
Ana Carolina dos Santos já carregava no currículo outra escola rural que havia fechado na infância. Obstinada, tinha como meta cursar Enfermagem em Curitiba para prestar concurso na carreira militar.
A professora de Língua Portuguesa, Alessandra Ribas, afirma que a escola compreende o cansaço dos alunos e faz um esforço para mantê-los motivados. O desafio, no entanto, é garantir que eles tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem dos seus pares nas escolas urbanas, sem perder a conexão com a realidade do campo.
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Reportagem e análise de dados
Cristian Edel Weiss
Imagens
Diorgenes Pandini e Leo Munhoz
Edição de imagens e vídeos
Thiago Ghizoni e João Victor Rocha
Edição
Raquel Vieira
Desenvolvimento
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Colaboração
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