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Os Xokleng e a luta
por terras e pacificação

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Os Xokleng se autodenominam “Laklãnõ” (“gente do sol” ou “gente ligeira”). A história desse povo é muito particular. Durante séculos, nômades e viventes da caça e da coleta dominaram as florestas que cobriam as encostas das montanhas, os vales litorâneos e as bordas do planalto no Sul do Brasil. Neste passado distante, sofreram competição de outros grupos indígenas pelo domínio dos campos e dos bosques de pinheiros. 

Depois, vivendo nas encostas do planalto e vales litorâneos, viram as terras serem, aos poucos, ocupadas pelos não indígenas. Neste processo, sofreram as consequências de decisões políticas e econômicas, em regra executadas a fio de facão e a tiros por “caçadores de índios”, como ficaram conhecidos os bugreiros. 

“A saga dos Xokleng muitas vezes se confunde com a história da imigração no Sul do país, em particular, em Santa Catarina. No Alto Vale do Itajaí, a colonização só se afirmou na medida em que os indígenas foram confinados na reserva”, escreveu o doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Sílvio Coelho dos Santos (1938-2008), em Os Índios Xokleng – Memória Visual (editoras UFSC e Univali, 1997). 

O grupo mora na Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklãnõ, que fica nos municípios de José Boiteux e Vitor Meireles. Ali, há nove aldeias, onde vivem 496 famílias. De acordo com levantamento feito em 2019, são 2.336 pessoas. O número flutua, pois há quem sai para trabalhar ou estudar e depois retorna. 

A reserva Xokleng

Em 1926, foi reservada a Terra Indígena Ibirama, nos atuais municípios de José Boiteux e Vitor Meireles, onde vive a maior parte da população Xokleng. O território inclui também porções de Itaiópolis e Doutor Pedrinho. Atualmente os Xokleng da TI Laklãnõ-Ibirama vivem em aldeias independentes, com autonomia política e um cacique-presidente que dá unidade ao povo perante as instituições com quem dialogam. 

Os líderes são escolhidos por voto direto e periódico, podendo ser reeleitos ou destituídos por abaixo-assinado. No território, além da maioria Xokleng, há Guarani e Kaingang, localizados à margem do Rio Itajaí do Norte. 

A reserva Xokleng

Em 1926, foi reservada a Terra Indígena Ibirama, nos atuais municípios de José Boiteux e Vitor Meireles, onde vive a maior parte da população Xokleng. O território inclui também porções de Itaiópolis e Doutor Pedrinho. Atualmente os Xokleng da TI Laklãnõ-Ibirama vivem em oito aldeias, todas com autonomia política e um cacique-presidente dá unidade ao povo perante as instituições com quem dialogam. 

Os líderes são escolhidos por voto direto e periódico, podendo ser reeleitos ou destituídos por abaixo-assinado. No território vivem 2,3 mil pessoas. São famílias Xokleng (imensa maioria), Guarani e Kaingang, à margem do rio Itajaí do Norte. Estão sobrepostas sobre 10% do território a Reserva Biológica Sassafrás e a Área de Relevante Interesse Ecológico Serra da Abelha. 

Barragem Norte alagou terra indígena e dividiu os Xokleng

Nos anos 1970, quando o Brasil estava sob regime militar, o governo federal decidiu construir a Barragem Norte, em José Boiteux. Maior estrutura do tipo no país, foi erguida para evitar cheias em municípios do Vale do Itajaí. A construção fez desalojados no próprio território, desconsiderou a existência dos Xokleng e alagou grande parte do território indígena.

As transformações prejudicaram desde o cultivo de alimentos até a educação. Ao impedir a vazão das águas do Rio Hercílio, a barragem castigou a comunidade com sucessivas inundações e os líderes familiares decidiram cada qual buscar outros locais para viver, distanciando o convívio dos parentes. 

Desde então, reivindicam reparação dos erros cometidos não só contra eles, mas também com os agricultores. Isso porque o Estado de Santa Catarina concedeu às famílias de colonos títulos sobre a terra que era ocupada pelos indígenas e, portanto, pertencentes à União e não ao Estado. Das sucessivas reduções territoriais aos impactos da Barragem Norte, é fato que os Xokleng jamais desistiram da Terra Indígena Ibirama Laklãnõ. 

Diferentes narrativas a pacificação

O mês de setembro é de comemorações para os Xokleng, pois marca o início da pacificação da etnia com o povo branco. O marco é o dia 22 e se volta para o ano de 1914, quando ocorreu o primeiro contato do grupo com Eduardo de Lima e Silva Hoerhann. Naquele dia, e num ato de coragem, como escreveu o antropólogo Silvio Coelho, o sertanista atravessou o rio Plate nu e desarmado, para confraternizar com os indígenas no espaço de uma clareira. 

No mesmo ano também foi reservada uma área de cerca de 37 mil hectares para os Xokleng. O objetivo parecia simples: enquanto eles ficavam restritos ao espaço, o restante das terras era entregue aos colonizadores, que passaram a registrá-las nos cartórios do município de Ibirama. Em 1956, a demarcação é realizada pelo Serviço de Proteção Indígena (SPI) com apenas 14 mil hectares. 

A aproximação de Hoerhann com os indígenas teve grande repercussão em todo o Brasil pelo ineditismo da ação, e também trouxe dificuldades para o sertanista, principalmente pelo choque cultural entre as propostas do SPI, onde trabalhava, as intenções dos colonizadores e o modo de viver dos Xokleng.  

Em 1915, ele próprio escreveu em relatórios ter sido procurado por fazendeiros, que se diziam representantes da região e desejavam “acabar com a imundície”. A ideia era envenenar os indígenas através da distribuição de carne de gado com veneno. Os fazendeiros locais tinham uma estratégia: se o SPI “havia conseguido reunir uma boa parte dos Xokleng e sediá-los em um território comum”, era uma excelente chance de exterminá-los.

Mais tarde, em 1926, seria Hoerhann o responsável por assegurar junto ao governo do Estado de Santa Catarina, as terras que, apesar da totalidade descrita não estarem de posse dos indígenas, são legalmente do povo Xokleng. 

Ruínas da casa reacendem memórias

As ruínas da casa de Eduardo de Lima e Silva Hoerhann permanecem às margens do rio. Um projeto arquitetônico avançado para a época como simbolismo do esforço em ensinar agricultura, botânica e até conceitos de medicina para os indígenas. A figura emblemática da história dos Xokleng viveu ali com a família, e sua trajetória segue entre os que consideram ter livrado os indígenas de um genocídio, mas também de ter provocado uma armadilha. 

A pacificação tinha diferentes significados, presentes em narrativas que ainda reverberam. Em 18 de outubro de 2020, uma reportagem no site do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) descreve o sertanista como um ser abominável. “Hoerhann era um sujeito bruto, cruel e odiava os Xokleng. Não era raro o SPI manter figuras com este perfil nas chefias de postos das Terras Indígenas”. Outras acusações recaíram sobre Hoerhann: ele costumava experimentar as armas de fogo utilizando os Xokleng como alvo, além disso estuprava as indígenas virgens. 

De acordo com a reportagem, acusações documentadas, com acesso aos pesquisadores e em parte presentes no Relatório Figueiredo, contam que Hoerhann submetia os indígenas a trabalhos em condições análogas à escravidão, fazendo-os cumprir jornadas exaustivas em troca de comida. Ele chegou a ser preso e condenado pela morte de um indígena que o denunciou por trabalho escravo. 

O Relatório Figueiredo apurou matanças de comunidades inteiras, torturas e crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), segundo o Ministério Público Federal. O documento ficou 45 anos desaparecido e foi encontrado quase intacto em abril de 2013.

Religião evangélica domina aldeia e disputa espaço com tradições

Lideranças Xokleng estimam que 80% da população seja evangélica. São 14 templos nas noves aldeias do território. A reportagem esteve numa dessas igrejas e acompanhou um momento marcado por cânticos. Tratava-se um trecho da Bíblia com uma passagem sobre o Rio Jordão — as estrofes cantadas na língua Xokleng. 

Disseminada nas aldeias, a religião entra em choque com tradições e cultura indígena e, para alguns, gera “certa confusão”. 

– Algumas lideranças, como ex-caciques, são pastores. Na interpretação da Bíblia, eles falam em provação, em livramento, na vontade de Deus. Isso acaba por impactar algumas das nossas realidades, como a questão do nosso território e nas escolhas políticas – observa uma educadora, que pediu para não ser identificada. 

Já o líder Brasílio Priprá, evangélico, discorda: 

 

– A igreja evangélica entrou no território em 1940, e considero que a relação foi sempre muito boa. Acredito que o povo indígena tem fé em Deus, e seria igual se estivéssemos no mato. Na sociedade também é assim, as pessoas acreditam no que se sentem melhor e seguem sua forma de agir. 

Antes do contato com o não-indígena, os Xokleng acreditavam que cada ser da natureza possuía um espírito que deveria ser respeitado — animais, trovão, vento e plantas. Para eles, uma ave Aripina (Kókóly) cantando sobre as montanhas ou trovões no céu significam que algo está para acontecer. E essas manifestações da natureza seriam uma forma de o Kujá (pessoa que mantinha contato com essas entidades) avisar o povo. 

 

Outra crença tradicional é de que tempo nublado e chuviscando (dénjangó vã) avisa que algo triste irá acontecer. Já quando uma árvore cai ou se quebra no mato significa morte de um ente querido. 

 

“Tudo isto ou estes casos fazem parte da nossa cultura. São ainda manifestações fortes, apesar de uma religião ocidental, a evangélica, presente no nosso território indígena”, destaca Carli Caxias Popó, no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele estudou “Cosmologia na Visão Xokleng”, destacando as relações entre diversas concepções de mundo: mundo natural, sobrenatural, natureza e cultura, questionando e expandindo os olhares sobre o que é natural e cultural material e imaterial. 

Jovens e anciãos se unem na luta pela terra

NAVEGUE ENTRE AS ETNIAS

GUARANI

 

 

KAINGANG

 

 

 

XETÁ

 

 

 

XOKLENG

 

 

 

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Expediente

Reportagem: Ângela Bastos

Imagens: Patrick Rodrigues, Sirli Freitas, Tiago Ghizoni e Arquivo DC

Edição de vídeo: Luiza Monteiro e Bianca Anacleto

Roteiro de vídeo: Carolina Marasco, Eduarda Hillebrandt e Raphaela Suzin

Design: Ciliane Pereira

Edição: Everton Siemann e Raphaela Suzin

Edição SEO: Carolina Marasco

Publicado em 03/12/2022