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O último dos Xetá

Nossa equipe de reportagem foi em busca do único indígena Xetá em Santa Catarina, a última etnia a ter contato com o homem branco. Rondon Xetá, 57 anos, é um dos cinco sobreviventes dos “últimos índios da Idade da Pedra”, como descreveu a revista norte-americana Time, em 1959. Encontramos ele num sábado, 21 de maio deste ano, dia típico de inverno — daqueles onde a cerração baixa da manhã transforma-se em sol que racha. 

Havíamos saído de Florianópolis, subido os campos da Serra Catarinense, para alcançar o município de Ipuaçu, a 720 metros acima do nível do mar, no Oeste do Estado. Percorridos 550 quilômetros, chegamos na Terra Indígena Xapecó, onde Rondon mora.  

Dos Xetá encontrados nas matas do Paraná em meados do século passado, restaram praticamente só crianças. Meninos e meninas que foram levados e adotados por famílias brancas ou ordens religiosas com a missão de transformá-los em “civilizados”. 

Os irmãos Rondon e Tiqüem (pronuncia-se Ticoen), policial militar rodoviário já falecido, foram entregues a João Rozo de Menezes, funcionário do Serviço de Proteção Indígena (SPI) para serem criados. 

– Eu tinha um ano e pouco, e Tiqüem era um pouquinho mais velho. Contavam que nossa mãe tinha morrido de sarampo, e, no mesmo dia, também uma irmã [dela morreu]. Por isso, teriam levado nós dois para sermos criados pela família da madrinha, dona Domingas Roza de Menezes – conta. 

Rondon lembra que a madrinha trabalhava com saúde indígena. Acredita, inclusive, que o gosto pelo trabalho que desenvolve hoje na aldeia sede da TI Xapecó venha da convivência: ele é auxiliar de enfermagem no posto. O órgão indigenista oficial da época, o SPI, distribuiu sobreviventes Xetá em diferentes regiões do Paraná. Os irmãos Rondon e Tiqüem são exemplos do quanto esta dispersão enfraqueceu o modo de viver da etnia. Os dois frequentaram a escola, mas perderam a noção da língua e da cultura: 

 

– Parece que meu nome em indígena era Moha’ay, que significa bicho furão, uma espécie de lontra doméstica. Mas não tenho certeza. 

Já a memória afetiva do irmão Tiqüem, o Karombe, tartaruga em Xetá, está bem viva. Mesmo num espaço mais urbano, Tiqüem não podia ver uma árvore que subia para tirar os frutos. Os irmãos também gostavam muito de mel. Assim como os outros Xetá remanescentes, Rondon não se casou com uma mulher da mesma etnia. Librantina, com quem tem filhos e netos, é Kaingang: 

 

– Existem cerca de 100 descendentes Xetá, mas desses nenhum é sangue puro, como se diz – conta Rondon. 

SAGA DA ETNIA

No encontro com Rondon, mostramos para ele uma fotografia antiga que mostra os Xetá sobreviventes da Serra dos Dourados, no Paraná, reencontrados nos anos 1980 e 1990, atualmente além dele estão vivos Tiguá, Tiguá, Ã e Kuein (já morreram Tikuein, Tuca, Tikuein). São duas Tigúa, com os nomes brasileiros de Rosa Maria e Ana Maria, tal qual eram os dois Tikuein, explica o antropólogo Rafael Pacheco. 

O Xetá reconheceu irmãos, tios, primos. A foto, de Márcia Rosato, é de 30 de agosto de 1997. Ele é o primeiro da esquerda para a direita. Na época, atendendo a solicitação dos remanescentes Xetá, o Instituto Socioambiental promoveu, em Curitiba, o “Encontro Xetá: Sobreviventes do Extermínio”, ocasião em que os familiares se encontraram para conversar sobre a própria história e traçar perspectivas de um futuro melhor para eles e os descendentes. Aparecem na foto Tiküein, Tuca Tiküein, Ã, Tiguá e Kuein. 

A saga dos Xetá foi parar no relatório da Comissão Nacional da Verdade, um colegiado instituído em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, período da ditadura militar. O relato documental permite aos Xetá o que o mundo jurídico chama de Justiça de transição, quando é assegurada reparação dos direitos humanos violados através de indenização. 

A etnia Xetá se divide principalmente em duas reservas indígenas reconhecidas, São Jerônimo da Serra, no norte do Paraná, e aldeia urbana Kakané Porã, em Curitiba. Nessas terras, dividem o espaço com outros povos. De acordo com documentos da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Terra Indígena Herarekã Xetá, em Ivaté, noroeste do Paraná, encontra-se delimitada, que é o termo legal correto para esta fase do processo demarcatório. Mas isso não significa que possa ser ocupada pelos indígenas. O processo de reconhecimento e a homologação encontra-se no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF4, em Porto Alegre. 

Registro dos sobreviventes Xetá feito por Márcio Rosato, em agosto de 1997

A história Xetá

A Funai não possui registro oficial do número de Xetá que hoje vivem em solo brasileiro. Possível que o Censo do IBGE, em andamento, ajude a retirar os descendentes desta invisibilidade hostil. Oficialmente, eles se tornaram conhecido nos anos 1950. Viviam isolados na Serra dos Dourados, no noroeste do Paraná, e calcula-se em torno de 250 pessoas. Usavam botoque de resina de pinheiro nos lábios, eram nômades, coletores e caçadores. 

Na época, o governo do Paraná negociou essas áreas onde os Xetá moravam para plantio de café e criação de fazendas de gado. A chegada das frentes de colonização e de imigrantes os empurrou para dentro da mata. Esquivos e arredios, formaram pequenos grupos e evitaram o quanto conseguiram qualquer tipo de contato. 

Uma das provas desta presença na região eram os rastros deixados próximo dos presentes ofertados pelo branco na tentativa de agradá-los, os quais eram sempre deixados (inclusive alimentos) intactos. Mas a política de sobrevivência por eles traçada não foi o suficiente para livrá-los do extermínio. Na metade da década de 1950, a nação já era praticamente dizimada. Morreram abatidos por tiros ou nas aldeias incendiadas, também por doenças infectocontagiosas, como gripe e sarampo, ou por envenenamento e intoxicação alimentar. 

Sete anos depois do primeiro contato, quando algumas das crianças tinham sido capturadas, e muitos já haviam sido mortos pelas doenças trazidas pelos colonizadores, é que um dos grupos Xetá resolveu se aproximar da Fazenda Santa Rosa, instalada sobre um dos campos de caça e coleta, local onde o Serviço de Proteção Indígena (antes da criação da Funai) montou um “centro de atração”. 

Pesquisadores da Universidade do Paraná (UPR), José Loureiro Fernandes (professor de antropologia) e Vladimir Kozák (cinegrafista) tiveram papel fundamental ao participarem, entre 1955 e 1961, de expedições de contato e aproximação para encontrar os Xetá, e de expedições científicas, ao cabo das quais ofereceram os primeiros registros e impressões sobre o grupo recém-encontrado. 

Contato: anos 1950 Onde viviam: Serra dos Dourados, no Paraná O que aconteceu: Chegada das frentes de colonização e de imigrantes Quantos eram na época: 250 Quantos vivem hoje: cinco Quantos em Santa Catarina: um FRASE : “Existem cerca de 100 descendentes Xetá, mas nenhum desses é sangue puro, como se diz” RONDON XETÁ, auxiliar de enfermagem
Contato: anos 1950 Onde viviam: Serra dos Dourados, no Paraná O que aconteceu: Chegada das frentes de colonização e de imigrantes Quantos eram na época: 250 Quantos vivem hoje: cinco Quantos em Santa Catarina: um FRASE : “Existem cerca de 100 descendentes Xetá, mas nenhum desses é sangue puro, como se diz” RONDON XETÁ, auxiliar de enfermagem

NAVEGUE ENTRE AS ETNIAS

GUARANI

 

 

KAINGANG

 

 

 

XETÁ

 

 

 

XOKLENG

 

 

 

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Expediente

Reportagem: Ângela Bastos

Imagens: Patrick Rodrigues, Sirli Freitas e Tiago Ghizoni

Edição de vídeo: Luiza Monteiro e Bianca Anacleto

Roteiro de vídeo: Carolina Marasco, Eduarda Hillebrandt e Raphaela Suzin

Design: Ciliane Pereira

Edição: Everton Siemann e Raphaela Suzin

Edição SEO: Carolina Marasco

Publicado em 03/12/2022